Opinião
O crime compensa
Quando a bolsa entra em queda, como aconteceu mais do que uma vez na última semana, a pergunta anda na cabeça de toda a gente, sejam os operadores profissionais ou os pequenos investidores. Será que veio para ficar ou é apenas um episódio e tudo vai volta
A questão é se os mercados financeiros estão apenas a fazer uma saudável correcção de uma bolha especulativa ou se o ciclo se inverteu de vez. Sem bola de cristal, ninguém consegue responder à questão.
Mas é possível identificar alguns sinais de alerta na presente situação. Em primeiro lugar, a crise nasce dentro do próprio sistema financeiro e as suas consequências alastram muito para além do que funciona como epicentro do sismo: o mercado de crédito “subprime” norte-americano, vocacionado para segmentos de menor capacidade económica e portanto de maior risco. Outro sinal de alerta é o efeito na concessão de crédito, apontando para o final de uma era de crédito relativamente barato e ilimitado, pondo fim a um período de grande liquidez na economia.
O que se passa para que a crise no crédito imobiliário de fraca qualidade nos Estados Unidos acabe por funcionar como a borboleta que bate as asas no Japão e provoca um terramoto no outro lado do mundo, da nossa fábula pós moderna? Este desfasamento entre a causa e o efeito resulta da crescente sofisticação dos mercados financeiros, que estão já muito longe do negócio bancário tradicional, conseguido pela margem entre depósitos e créditos. O que se passa é que esses créditos de duvidosa qualidade foram transformados em produtos derivados e tomados por outras entidades, o que se traduz, na prática, numa disseminação do risco em cadeia. E assim se explica que o crescimento dos casos de incumprimento nos Estados Unidos não tenha por consequência - pelo menos por enquanto - a falência de um destes operadores especializados em “subprime” mas o aparecimento de problemas à escala global, em bancos que tomaram esses produtos derivados, tanto na Europa como na Austrália ou no Canadá. E que seja tão difícil quantificar os prejuízos.
Quando os problemas surgem aparece logo quem queira tornar claro que não teve responsabilidades na desgraça. A carta de Nicolas Sarkozy a Angela Merkel é um exemplo. Mas há que reconhecer que as preocupações sobre o funcionamento em roda livre dos mercados financeiros estava há muito tempo na agenda, nomeadamente com a discussão sobre a necessidade de aumentar a regulação sobre os “hedge funds”. Que são outros dos protagonistas mais afectados pela crise, pondo em jogo, nomeadamente, a reputação de uma autêntica “vaca sagrada” como a Goldman Sachs. Os outros são as agências de “rating”, que só demasiado tarde alertaram para a má qualidade de alguns activos.
A actuação do BCE e da Reserva Federal americana visa impedir uma crise de liquidez no mercado interbancário, mas a sua dimensão inusitada fez soar os alarmes relativamente à gravidade da situação.
O que não deixa de ser irónico. O sistema financeiro dispõe de uma vantagem invejável sobre o resto da economia. Os seus gestores podem ultrapassar a fronteira de risco que o quadro regulatório e o bom senso recomenda, que têm um bombeiro a tratar de segurá-los. Em nome da saúde da economia.