Opinião
Parar para pensar
Perante todas os elaborados esquemas pseudo-intelectuais com que vemos ser analisada a realidade política circundante, sejam as gaffes dos ministros ou os resultados das eleições na Madeira e em França, sempre escrutinadas à luz de um aceso confronto entr
Perante todas os elaborados esquemas pseudo-intelectuais com que vemos ser analisada a realidade política circundante, sejam as gaffes dos ministros ou os resultados das eleições na Madeira e em França, sempre escrutinadas à luz de um aceso confronto entre direita e esquerda que já ninguém entende muito bem, importa perguntar para quando uma discussão séria e focalizada no mundo real, no chamado mundo da globalização, onde a dicotomia esquerda/direita só parece fazer sentido nas marchas militares e onde a questão das ideologias dá sinais de ter perdido muito do peso do passado.
Digam o que disserem, a globalização instalada obriga-nos hoje a acelerar as reformas para novos paradigmas, a começar pela reforma dos Estados, mas também das Empresas, das Famílias e até da nossa maneira de estar a nível individual.
Reformas que urge desenhar tendo em vista a criação de um novo Estado capaz de dialogar e de satisfazer os mais prementes anseios da sociedade civil, um novo Estado em que essa sociedade civil se reveja, afinal um Estado diametralmente oposto do actual, que não seja dominado pelas negociatas, pelos clientelismos e pela corrupção, que inverta a tendência de os ricos ficarem cada vez mais ricos à custa de uma faixa cada vez mais alargada de população a viver com fome.
Se outra virtude não tivesse, a globalização sempre nos vai obrigando a parar para pensar e, se tudo correr pelo melhor, a tentar recuperar o Paradigma dos Valores, tão menosprezado pelo excesso de laicismo que tem minado as sociedades actuais. Isto porque todo o esforço desenvolvido no sentido de restaurar os comportamentos éticos, inclusive no mundo dos negócios, se reflecte como um espelho no quotidiano de todos nós, ou seja, na nossa qualidade de vida.
Impõe-se, portanto, que os homens de boa vontade dêem as mãos no processo da urgente criação de um novo Estado, mais leve, competente e reformador, capaz de construir uma sociedade mais tolerante e eticamente mais firme na defesa do cidadão e dos seus direitos, nomeadamente os relativos à Saúde, à Segurança, à Justiça e à Educação. Enfim, um Estado que seja mais confiável e justo, onde os melhores, as chamadas elites, se revejam e contribuam directamente para uma boa governação, abdicando de, como acontece hoje, primar pela ausência, com receio de verem o seu bom nome manchado pela incompetência e pelo desvario despesista do poder que nos domina.
Neste mundo global importa, pois, parar para pensar e focalizarmo-nos no essencial, abertos à mudança e à inovação que manterá as empresas europeias acima da vulgaridade. Uma mudança livre de peias ideológicas, de confrontos direita/esquerda que a globalização reduziu a episódios de análise nos manuais de história da ciência política.
O tempo é de mudanças – e de mudanças rápidas –, com um horizonte de optimismo facultado pelo espaço de liberdade para a competência e para o saber, esse mesmo espaço e essa liberdade que fazem de nós, Europeus, diferentes para melhor.
Mas, ninguém o duvide, as alterações terão que ser profundas, isto se quisermos prosseguir na senda de uma verdadeira justiça social, da dignificação do trabalho, do amparo e do amor para com os mais desfavorecidos.
Quer isto dizer que as mudanças ditadas pela globalização não podem conduzir-nos à ditadura do capitalismo brutal, selvagem, ou do dinheiro sujo. Daí que as alterações inevitáveis a introduzir nas sociedades devam caminhar no sentido da criação de um novo balanço mais dialogante entre o Estado moderno e as populações, de um entendimento saudável entre o Público e o Privado, de uma visão dominante de Capitalismo Moral, onde todos contribuam com o seu quinhão para o bem comum.
Dir-me-ão que a realidade, nua e crua, está ainda bem distante das aspirações enunciadas. É um facto que vivemos vergados à ferocidade dos valores contabilísticos, sem visão estratégica de futuro, desfocalizados do essencial. É evidente que deparamos com um Estado falido, seco de ideias reformadoras, incapaz de se assumir no turbilhão de oportunidades facultado pela globalização. Um Estado autista, atolado em ideologias balofas e perigosamente desajustadas das novas realidades.
Mas não estamos condenados a viver assim. Se conseguirmos parar para pensar, se fizermos uma reflexão profunda que envolva a sociedade civil e cative os melhores entre nós, as tais elites agora tão distantes e desmotivadas, encontraremos seguramente caminhos mais seguros e profícuos que nos tirem deste lamaçal, que nos ajudem a travar o caudal da emigração que leva os nossos filhos para longe (que injustiça!) à procura de um primeiro emprego.
A caminhada não será fácil, mas será possível se nos apoiarmos nos pilares da ética e dos valores, se reclamarmos o primado da competência sobre os radicalismos laicos e religiosos que vão minando esta Europa envelhecida.