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04 de Julho de 2008 às 14:00

Pagar com a mesma moeda

Os sucessivos recordes do preço do petróleo, as consequentes subidas no preço dos combustíveis, as reacções de descontentamento dos consumidores, as dúvidas sobre uma eventual crise especulativa, as soluções e alguns devaneios de líderes governamentais europeus veja-se o imposto Robin Hood enchem páginas e minutos na comunicação social.

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Entre as várias notícias sobre o assunto, houve uma recente que, em particular, me chamou a atenção: “Há cada vez mais condutores que abastecem sem pagar”.

Mais do que reacções de mero descontentamento e contestação face ao aumento do custo de vida, as reacções são de reciprocidade (negativa) e apontam para um total descrédito na política de preços das gasolineiras. A notícia é um exemplo real de como as normas sociais podem ter um efeito substancial nas decisões económicas e não devem ser ignoradas, quer pela teoria económica, quer por decisores empresariais e governamentais.

Por reciprocidade entende-se o desejo de recompensar atitudes generosas e de retaliar atitudes prejudiciais por parte de outros, mesmo quando essa recompensação ou retaliação implica custos para quem a desencadeia. A pesquisa em torno do conceito de reciprocidade ganhou impulso com a investigação experimental do jogo do ultimato. Neste jogo, a um de dois jogadores é atribuído um montante de dinheiro e é-lhe pedido que escolha quanto atribuir ao segundo jogador. A este, só cabe a decisão de aceitar ou rejeitar o montante. No caso de aceitação, a divisão é efectuada segundo a escolha do primeiro. Em caso de rejeição, ambos saem do jogo de “mãos vazias”. Os resultados mostram que uma média de 60 a 80% das ofertas rondam os 40 a 50% do montante e que ofertas abaixo dos 20% são geralmente recusadas. Esta rejeição é interpretada como reciprocidade negativa.

Num contexto de mercado de trabalho, várias experiências revelam que um aumento (redução) nos salários é considerado um acto generoso (negativo) ao qual o trabalhador responde com um acréscimo (redução) de produtividade. Estes resultados estão em consonância com o trabalho de Bewley (1999), que, através de entrevistas a gestores e líderes de negócios, constatou que mesmo numa recessão estes hesitam em reduzir salários por receio que reacções de retaliação tenham uma repercussão negativa nos lucros.

Mas até que ponto a rejeição de ofertas baixas no jogo do ultimato, a redução de produtividade aquando da redução de salários, ou os furtos de gasolina, em resposta ao aumento dos preços, não são apenas um reflexo de descontentamento por uma pior situação monetária e não necessariamente uma resposta a uma atitude negativa de terceiros? Até que ponto as gasolineiras deverão repensar a política de preços ou somente deixar “assentar a poeira”?

Para elucidar esta questão é relevante estudar as reacções de indivíduos, enquanto trabalhadores ou consumidores, a situações adversas que acontecem de uma forma exógena. E interessante notar, por exemplo, que a produtividade em mercados de trabalho experimentais não é afectada quando um salário baixo resulta de choques exógenos que o empresário não controla. De forma semelhante, os resultados de questionários que investigam as atitudes de consumidores a aumentos de preços são consistentes e mostram que estes consumidores reagem de uma forma mais hostil aos aumentos que não são justificados por um aumento de custos e, portanto, vistos como injustos.

Assim, seria de esperar que as conclusões do estudo da Autoridade da Concorrência (AdC) sobre o mercado de combustíveis, que apontam para a não concertação de preços, sossegassem os ânimos. Mas as reacções de descontentamento não foram atenuadas. Estas mostram um total desacreditar nos resultados do relatório. Pelo contrário, as gasolineiras sentem-se ilibadas de culpa e, no lugar de uma eventual descida de preços, instituem o pagamento automático antecipado. Felizmente, a AdC defendeu esta semana, no parlamento, a necessidade de aprofundar os resultados do relatório. Até lá, a “guerra” continua.

Bewley, T. (1999). Why Wages Don’t Fall during a Recession. Harvard University Press, Harvard.

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