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Opinião
20 de Junho de 2006 às 13:59

Os desafios da regulação

Ninguém desconhece que nas sociedades ocidentais democráticas mais desenvolvidas, o âmbito e funções do Estado tem vindo a alargar-se consideravelmente após os anos 20 do século passado, quer no domínio das actividades económicas quer no domínio das áreas

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Este alargamento, que, contribuiu para melhorar significativamente os padrões de equidade e de protecção social, foi exigindo cada vez mais, a criação de soluções no plano da organização interna do Estado que permitissem uma resposta mais eficiente às novas necessidades e procuras colectivas.

Portugal, que só iniciou a construção do edifício institucional do Estado de Direito democrático no início do último quartel do século XX, seguiu, nesta como noutras realidades, uma trajectória específica e de algum modo desfasada relativamente a movimentos evolutivos em curso noutras sociedades.

As privatizações da década de oitenta, acompanhadas de um movimento crítico ao Estado-Providência, conduziram, na generalidade dos países da Europa Ocidental, a um recuo da presença do Estado em muitos domínios da vida económica e social. Mas, durante a década passada, instala-se uma outra tendência: a de desenvolver práticas de regulação sob responsabilidade do Estado, com o intuito de assegurar que o exercício privado de certas actividades, entretanto retiradas do domínio estatal, pudessem decorrer no quadro das regras públicas e no respeito pelo interesse colectivo.

Subjacente a tais práticas está implícita uma concepção, segundo a qual a perda do monopólio dos serviços públicos por parte do Estado, que terá sido a consequência inevitável do gigantismo e da rigidez burocrática a que não soube ou não pôde escapar, não deve pôr em causa a salvaguarda do interesse público.

A redução do papel prestador do Estado aparece e desenvolve-se, assim, como resposta a duas preocupações fundamentais: por um lado, a de garantir, no interesse dos utilizadores, a melhoria da qualidade e do preço dos serviços; por outro, já na óptica dos governos, a de melhorar a eficiência económica e o controlo da despesa pública.

Começa-se então a assistir à transformação do Estado intervencionista na prestação, mas pouco atento a aspectos fundamentais de eficiência e de satisfação dos utilizadores, no Estado regulador.

Sem querer entrar nos pormenores desta transformação, e admitindo que ela contém importantes virtualidades, convém no entanto prestar atenção ao efeito perverso que lhe está associado: a passagem de muitas entidades públicas para o domínio do direito privado ter levado ao adiamento da já então necessária reforma da administração pública. Criou-se assim uma espécie de dualismo em que de um lado surge uma administração pública «moderna», agilizada pelos mecanismos de mercado, e do outro uma administração com velhas regras de direito público, cronicamente subfinanciada, distante dos cidadãos e protagonizada por profissionais desmotivados e resignados.

E assim temos vivido até aos dias de hoje. Que desafios temos agora que enfrentar?

O primeiro desafio aponta para a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos técnicos de regulação, para que, sobretudo em áreas sensíveis como a saúde, segurança social, a água, a energia ou as telecomunicações, o recuo do Estado prestador não se faça com prejuízo dos direitos e das justas expectativas dos cidadãos. Sem esse aperfeiçoamento, corre-se o risco de, sob a capa da gestão moderna, se subverterem os bons objectivos do Estado-Providência e de uma administração respeitadora do serviço público.

O segundo desafio faz apelo à cultura da continuidade, ou seja, é preciso que as estruturas e práticas administrativas não se submetam às contingências das alterações dos governos, e que, no desenvolvimento dessa cultura da continuidade, sejam observados os percursos profissionais, de modo a premiar de forma autêntica o mérito.

O terceiro desafio diz respeito à exigência da verdadeira modernização da administração pública, que se faz com a clarificação da sua missão, e importando processos e técnicas de gestão empresarial privada, desde que compatíveis com a missão do serviço público, racionalizando custos, sem deixar de promover a satisfação dos cidadãos, e responsabilizando os profissionais pelo desempenho das instituições.

O quarto desafio remete não só para o estabelecimento, mas sobretudo para a fiscalização dos mecanismos institucionais de avaliação dos serviços, com auscultação sistemática dos cidadãos e das empresas a fim de conhecer o seu grau de satisfação relativamente às prestações oferecidas.

O quinto desafio suscita a formação de parcerias activas com unidades de ensino e centros de investigação, públicos ou privados, que promovam o conhecimento e acompanhamento do processo de modernização da administração.

O sexto e último desafio - que podia ser o primeiro - obriga-nos a reflectir sobre o modo de actuação do «Estado-Regulador». Se é verdade que vivemos tempos em que velhos problemas exigem novas soluções, não é menos verdade que o papel do Estado não pode continuar frequentemente a ser objecto de controvérsia, em detrimento de uma análise rigorosa e informada. Neste sentido, o Estado Regulador enquanto estratega não pode perder de vista a sua missão de assegurar o bem-estar social, é que, precisamos de uma administração pública moderna, mas que seja capaz de, simultaneamente, se aproximar dos direitos e legítimas aspirações dos cidadãos.

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