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22 de Outubro de 2002 às 17:55

Os desafios da publicidade

A evolução da publicidade passará necessariamente pelo equilíbrio entre comunicação e arte; comunicação que se pretende conforme ao direito, arte que se quer livre. Susana Correia de Campos

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Terminando uma série de artigos dedicados ao direito da publicidade e concretamente, à reflexão sobre alguns temas prementes, publicidade enganosa, publicidade comparativa e publicidade e menores, seria útil reflectir um pouco sobre o fenómeno publicitário no seu todo, analisando a intervenção dos seus vários sujeitos e as relações jurídicas que assumem durante esse processo.

É indiscutível a vocação económica e social da publicidade, fenómeno que nos acompanha permanentemente dentro e fora de casa, no seio da família ou no meio profissional, e em todas as circunstâncias da vida social. Contudo, a publicidade consciente das funções que lhe são atribuídas, quer assumir-se enquanto criação artística, colocando a imaginação ao serviço dos interesses económicos da sociedade moderna.

Esta dignificação da publicidade como forma de arte, está hoje consagrada e protegida no Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos. Esta protecção tem uma dupla vertente; a protecção dos direitos de autor de natureza patrimonial, que como o nome indica, dizem respeito à propriedade dos materiais publicitários em concreto, e os direitos de natureza moral, que pertencem sempre ao autor (ou aos seus herdeiros), os quais se concretizam no direito de assegurar a integridade da obra e de reivindicar a sua paternidade.

O equilíbrio destas duas vertentes, forma de arte e fenómeno económico, é muitas vezes difícil e frequentemente, os interesses subjacentes limitam a liberdade de criação artística. É por isso justo distinguir entre a publicidade que se limita a apelar ao consumo de um determinado bem ou serviço, utilizando ideias fáceis e conteúdos monótonos, daquela que verdadeiramente transforma tal apelo ao consumo numa mensagem imaginativa, inovadora, humorada, delicada, trabalhando todos os seus aspectos com dedicação e profissionalismo, cujo resultado será visto com interesse pelo consumidor médio.

O processo publicitário inicia-se com a necessidade por parte do anunciante de comunicar aos consumidores um determinado bem ao serviço; mediante a celebração de um contrato de publicidade, o anunciante incumbe a agência publicitária da criação de uma mensagem publicitária (ou várias quando se pretende a criação de uma campanha publicitária), que visa promover o bem ou serviço em questão. A agência e o criador da mensagem publicitária pretendida celebrarão o designado «contrato de criação publicitária». Este contrato regulará os direitos de natureza moral irrenunciáveis do autor, a que atrás aludimos, sem prejuízo da vertente material da mensagem publicitária poder pertencer à agência de publicidade, o que normalmente ocorre no contexto de uma relação laboral.

Concebida a mensagem publicitária nos seus vários aspectos, (imagens, palavras, música, entre outros), importa concluir o processo publicitário com a designada fase da difusão. Tal fase é assegurada pelos meios ou agências de meios, os quais se comprometem a difundir, mediante contraprestação, a mensagem publicitária concebida. Celebra-se então, o chamado contrato de difusão publicitária.

Ora, estes contratos a par de outros, contratos de patrocínio, contratos de concessão publicitária, contratos de figuração, entre outros, destinam-se a assegurar o bom relacionamento comercial dos vários sujeitos publicitários, fixando deveres e obrigações e, consequentemente, minimizando os riscos de litígio, num negócio que movimenta verbas astronómicas a nível mundial.

A evolução da estrutura publicitária implicou ainda a consagração da responsabilidade solidária entre os vários sujeitos publicitários pelo que todos são responsáveis de igual forma pela eventual desconformidade do conteúdo das mensagens publicitárias face à lei aplicável. Tal explica que a mensagem publicitária seja analisada do ponto de vista legal pelo anunciante, agência de publicidade e pelos próprios meios, como forma de evitar a difusão de conteúdos ilegais e a consequente aplicação de coimas. Esta «vigilância» redobrada diminui consideravelmente os riscos de desconformidade legal pela assunção das suas responsabilidades.

Contudo, existem ainda alguns problemas que importa ultrapassar, designadamente, a necessidade de concretização da lei e adaptação da mesma às novas formas de comunicação publicitária. A publicidade e a «era Internet» é um desafio que não pode deixar de ser encarado; importa ajustar e adequar a legislação a este meio de comunicação, face ao crescimento do comércio electrónico. Importa também incentivar a uma maior intervenção dos mecanismos auto-reguladores da actividade e recorrer preventivamente ao trabalho dos advogados, na procura das soluções contratuais que melhor se adequam às relações concretamente estabelecidas entre os sujeitos publicitários (cada vez mais complexas), desenvolvendo-se doutrina e jurisprudência.

A ultrapassagem destas dificuldades justifica-se pelos benefícios económicos desta actividade, designadamente incentivo à concorrência e consequente redução dos preços, meios de comunicação mais acessíveis porque sustentados quase exclusivamente pelas receitas da publicidade, criação de emprego, patrocínio de eventos culturais que de outro modo seriam onerosos para o público e, acima de tudo, informar, conferindo ao consumidor a liberdade de escolher.

A evolução da publicidade passará necessariamente pelo equilíbrio entre comunicação e arte; comunicação que se pretende conforme ao direito, arte que se quer livre.

Susana Correia de Campos

Advogada

Barrocas & Alves Pereira

Comentários para autor e editor para negocios&estrategia@mediafin.pt

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

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