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Os bancos sem crédito

No passado, um Banco era uma entidade altamente prestigiada. Hoje é vista como uma associação de malfeitores.

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No passado, um Banco era uma entidade altamente prestigiada. Hoje é vista como uma associação de malfeitores. No passado, trabalhar num Banco dava estatuto social. Hoje é fazer parte de uma quadrilha. Como é que isto sucedeu num tão curto prazo de tempo?

Os processos de degeneração abrupta de imagem nunca se devem a único fator. No caso da banca, tudo começou com a sua própria evolução tecnológica. No tempo dos cheques, o balcão de um banco era o centro de relacionamento com os clientes. Ia-se para a bicha para levantar, depositar ou fazer qualquer operação. Nesse exercício trocavam-se conversas e intimidades. As pessoas conheciam-se e o gerente do banco servia de verdadeiro confessionário das dificuldades e sucessos. A relação era direta e pessoal.

Depois, em meados da década de 80, começaram a surgir as primeiras caixas de multibanco. Foi uma verdadeira revolução. Tudo se tornou mais fácil para os clientes e também para os bancos, que puderam dispensar muitos dos seus funcionários. Gradualmente foram desaparecendo as bichas e os levantamentos com cheques. Os balcões de hoje têm dois ou três funcionários que servem para pouco, pois o seu poder de decisão é praticamente nulo.

A nova tecnologia tem invariavelmente um revés e, neste caso, levou ao desaparecimento da componente pessoal. A nossa relação atual com o banco faz-se através de robôs e máquinas. Na verdade, uma caixa de multibanco é um robô. Chegamos junto dele e dizemos: "dá-me 100 euros". Ele responde: "deixa ver se tens dinheiro na conta". Se temos, ele passa-nos as notas e deseja um resto de dia feliz. Se não temos, pede desculpa e sugere que tentemos noutra ocasião. A um robô destes não vale a pena contar nenhuma história, que estamos desempregados, que precisamos mesmo do dinheiro para comprar comida ou que já vamos receber de algum lado. O robô é implacável.

Na década de 90 generalizou-se o cartão de crédito e a nossa relação com o dinheiro tornou-se ainda mais impessoal. O plástico paga ou não paga conforme a mera matemática. Não tem emoções nem estados de alma.

Esta dissociação permitiu aos bancos, chamados de retalho, para além da cobranças de comissões para tudo e para nada, dedicarem-se a outros negócios. Surgiu então uma miríade de produtos, constantemente renovados porque essa é a lógica do marketing no tempo veloz da comunicação mediática. O cliente passou a ser inundado com ofertas de oportunidades, no tempo que já lá vai de crédito fácil, hoje de captação de poupança. Mas o mecanismo é na mesma impessoal, distante e altamente volátil. As taxas de juro variam ao dia e os investimentos são uma lotaria.

É neste pano de fundo que surgem as notícias de más práticas e confirmadas trafulhices. O sistema financeiro, de que os bancos são o principal rosto, ou pelo menos o mais visível, lançaram o mundo no caos da sua própria voracidade pelo lucro imediato e a todo o custo. Ficámos então a saber que os grandes bancos estão falidos e precisam de ser resgatados pelo dinheiro do contribuinte. A lógica é incompreensível para a maioria das pessoas. Para onde foi o dinheiro? Já não só o nosso, dos depositantes, mas dos enormes proveitos, ano após ano anunciados em sessões meticulosamente organizadas por agências de publicidade, a fazer lembrar as aparições dos comités centrais dos partidos comunistas, com o chefe ao meio, alguns figurantes notáveis dispostos simetricamente e um pano de fundo com frases que prometem amanhãs que cantam e rostos sorridentes.

Sem almofada interpessoal, sem as palavras reconfortantes do nosso simpático gerente, o banco tornou-se numa entidade abstrata, uma máquina de sorver dinheiro que não nos merece qualquer afeição. Não há ninguém para nos explicar o que realmente se passa. E nessa circunstância o melhor é retirar o pouco dinheiro que nos resta e o banco que se lixe. É certamente isso que os governos chamam de crise sistémica. E correm a injetar numerário a rodos. Mas de pouco vale. Definitivamente, os bancos perderam o crédito. Não só dos psicóticos mercados, mas sobretudo dos próprios clientes.



Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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