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22 de Outubro de 2007 às 13:59

Os aldrabões

O que fazer quando se percebe que o interlocutor é um aldrabão? Claro que há aldrabões e aldrabões... e aldrabões... muitos e de variadas formas, e a cada um poderão ser imaginadas variadas reacções. Mas é de dois grandes grupos que nascem os infinitos su

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O aldrabão-simpático sabe-se aldrabão e sabe que o sabemos aldrabão – ou, pelo menos, não se preocupa tanto em disfarçar a aldrabice quanto em convencer-nos de que, embora um bocadinho aldrabão, pronto, é inofensivo e, no fundo, bem no fundo, boa pessoa. Além de muito simpático, claro (e a simpatia não está só em sorrisos e abraços – está, acima de tudo, em festinhas e afagos no ego, o mais vulnerável dos órgãos humanos).

Descoberto em plena aldrabice, o aldrabão-simpático não tenta negar o óbvio, mas, digamos assim, relativizá-lo. A questão fundamental que o aldrabão-simpático nos põe é se o mundo sem eles não seria muito mais chato e, eventualmente, mais pobre e até mais injusto; com algum talento, será mesmo capaz de nos convencer de que a aldrabice é o sal da vida (ou pelo menos um dos seus mais saborosos temperos). E quanto mais simpático for o aldrabão maior o dano que se lhe concede.

O aldrabão-arrogante é diferente. A chave do seu sucesso está na segurança que ostenta no que diz. O ideal é ele próprio acreditar, ser ele a primeira vítima da própria aldrabice. É dizer com ar de professor as maiores asneiras, e acreditar nelas – pelo menos enquanto as diz.

A ideia de que se pode enganar muita gente por muito tempo mas não toda a gente por todo o tempo – que, aos ouvidos do aldrabão-simpático, é uma contrariedade, sim, mas perfeitamente contornável – faz os pesadelos do aldrabão-arrogante. O aldrabão-arrogante não pode ser apanhado – a arrogância, instrumento de que se utiliza para se tornar convincente, impede-lhe a fuga pela senda da simpatia. Uma vez apanhado, ao aldrabão-arrogante não resta senão mandar dizer que está em reunião enquanto procura (ou manda fazer, verdadeiro ou falso) o passaporte para empreender uma longa viagem (de negócios, como é evidente).

O aldrabão-arrogante é um infeliz, um solitário, mal-amado (ou pior: não-amado). Toma a vida, o destino e o futuro como ameaças inimigas. Sofre da síndroma do ladrão (que pensa que todos são da sua condição) e acaba por se ver como alvo das astúcias de todas as aldrabices reais e imaginárias. Detesta ser traído e sofre de ciúmes doentios.

O aldrabão-simpático é essencialmente feliz, bem-amado (talvez por demasiadas fontes). Confia na vida, acha que o destino lhe sorri, e tem no futuro um aliado. Tanto quanto confia na vida, não confia nas pessoas, mas não gosta menos delas por isso nem leva a mal quem desconfie dele. Ama e faz-se amar desconfiadamente, mas não sofre de ciúmes.

O aldrabão-simpático pode ser infinitamente mais pernicioso do que o aldrabão-arrogante... mas será sempre muito mais simpático.
 
PS: Quem estaciona em cima dos passeios pode não ser arrogante. Será, então (como dizer?), desprovido de capacidade de discernimento do que lhe pertence e do que não lhe pertence (mas não poderia isso ser aplicado a qualquer assaltante?).

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