Opinião
Orgulho de Portugal
Os inspirados versos de Amadeu Dinis da Fonseca para o hino sugestivamente intitulado “Grito do Benfica” ganharam recentemente nova, e certamente inesperada, propriedade. De facto, o Benfica, orgulho de Portugal, tornou-se nos últimos tempos (também) o or
Contrastando marcadamente com o desempenho, sobre o murcho, dos papéis das Sociedades Anónimas Desportivas do Futebol Clube do Porto e do Sporting Clube de Portugal, as acções da Benfica Futebol SAD, recém-chegadas à Euronext, monopolizam as atenções. Abriram a transaccionar fugazmente acima do valor nominal para logo iniciarem queda lenta mas segura, foram reanimadas por uma Oferta Pública de Aquisição que fez mais pela popularidade do comendador Berardo do que qualquer colecção de arte contemporânea à beira Tejo plantada, e dispararam para o céu impulsionadas por rumores chineses que o vento levou, não ao cume do nosso ideal mas para parte incerta.
Além da bem-vinda animação, o fantástico desempenho das acções da Benfica SAD trouxe a lume a discussão do modelo português de governação das sociedades anónimas desportivas. É um modelo original, e distinto do que foi seguido em Inglaterra, onde as equipas de futebol acedem à cotação sem qualquer especificidade, submetendo-se às regras gerais da Bolsa de Londres. Desta forma, podem ser adquiridas, sem outra limitação que não a capacidade financeira do oferente, por qualquer investidor. Ao abrigo deste regime, as equipas da Premiership foram sendo paulatinamente adquiridas por milionários não britânicos: o omnipresente russo Roman Abramovich com o Chelsea, que fez campeão inglês de novo, o americano Malcolm Glazer com o Manchester United, os também americanos George Gillett e Tom Hicks com o Liverpool, batendo sobre a linha a Dubai International Capital do sheik Al Maktoum, o tailandês Thaksin Shinawatra com o Manchester City agora comandado pelo grande Sven-Göran Eriksson, só para citar alguns. Os americanos, aliás, são repeat purchasers: Glazer é também dono dos Tampa Bay Bucaneers da NFL, Hicks detém os Dallas Stars, que jogam hóquei no gelo, e os Texas Rangers, que praticam basebol, e Gillet chama seus aos Montreal Canadiens, da NHL.
Em Portugal, é mais difícil comprar uma equipa. A Lei portuguesa institui nas SAD acções “A” e “B”, e requer aos clubes que dão nome, e na maior parte dos casos albergue, à equipa, que detenham pelo menos 15% do capital sob a forma de acções “A”, sob pena de perda do valioso estatuto de utilidade pública. A detenção desta posição atribui aos clubes direitos especiais, nomeadamente direitos de veto nos Conselhos de Administração e em algumas deliberações (fusão, cisão, aumento de capital, mudança de sede, por exemplo) nas Assembleias Gerais.
Com este regime, não é, em princípio, possível a um investidor, digamos americano, comprar o Benfica e levar a equipa para outra cidade. Seria estranho, convenhamos, que o Senhor John Doe comprasse a equipa do SLB e a redomiciliasse, por exemplo na Ota (ou em Alcochete, ou no Montijo). Mas, se tiver dinheiro para tal, nada o impede de comprar os Dallas Stars ao Sr. Hicks e de os levar, por exemplo, para Miami.
O comendador Berardo afirmou estar contra esta originalidade, muito embora, e paradoxalmente, tenha afirmado estar a favor de uma posição de controle na Benfica SAD para o Sport Lisboa e Benfica, faça chuva ou faça sol (talvez por ser contrário ao Sport Ota e Benfica SAD?). Curiosamente, uma boa parte dos analistas, e entre eles muitos defensores dos “centros de decisão nacionais” e dos “campeões nacionais” quando comentam indústrias também importantes como a banca ou a comunicação social, juntaram a sua voz à opinião crítica do comendador Berardo. Aparentemente, a desblindagem dos estatutos é consensual, mas só nas SAD. O argumento parece ser permitir o acesso ao controle das equipas aos investidores que queiram dirigir os seus capitais para o futebol.
Salvo melhor opinião, não há no modelo português nada que impeça tal acesso. A Lei nacional apenas consagra uma via subtil, estilo português suave, para o controle: capital puro e duro para as acções “B”, votos dos sócios para as acções “A”. Veremos, num futuro muito próximo, candidatos às direcções dos clubes alinhados com investidores nas acções das SAD, e os pesos dos clubes nos capitais das SAD a tenderem para o mínimo legal de 15%. E, tal como o caminho para o coração dos homens passa (passava?) pelo estômago, o caminho para o coração dos sócios passa (passará?) pela capitalização das SAD dos seus clubes.