Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
30 de Outubro de 2006 às 13:59

O voluntarismo europeu e as suas consequências

Recentemente, tive a oportunidade de participar numa missão empresarial da CIP a Bruxelas integrada no UNICE Day 2006 (cujo objectivo é aproximar empreendedores e políticos).

  • ...

Do programa da iniciativa da confederação portuguesa constaram encontros com os principais responsáveis nacionais na UE e ainda um seminário onde um painel de notáveis – designadamente, João de Deus Pinheiro, Luís Mira Amaral, Vasco Graça Moura, Silva Peneda e, claro, Francisco van Zeller, entre outros – debateu os "temas em discussão na Europa com maior impacto nas empresas portuguesas".

É de louvar a iniciativa da CIP, na medida em que permitiu a representantes de várias associações empresariais portuguesas conhecer um pouco melhor os bastidores do poder na Europa e o seu modus operandi. Ou seja, a máquina que está por detrás dos políticos e cuja actividade condiciona, efectivamente, a vida das empresas e dos cidadãos europeus. Embora os políticos sejam o rosto das decisões, é aos eurocratas que compete elaborar as propostas que regulam o espaço comunitário, pelo que deles dependem as grandes linhas estratégicas da Europa. Acresce que, como bem sabemos, não raras as vezes os primeiros se submetem aos segundos, colocando aqui um problema de legitimidade democrática. Esta alteração de papéis foi, aliás, subtilmente retratada na magnífica série britânica "Yes Minister".

Neste contexto, importa ter consciência de que a actividade das empresas na Europa está permanentemente a ser condicionada pela tal máquina de Bruxelas, cujas propostas muitas vezes escapam ao domínio público. Neste sentido, as associações empresariais têm hoje a importantíssima tarefa de informar, em tempo oportuno, os seus associados e os agentes económicos em geral sobre o teor das propostas que estão a germinar em Bruxelas e que podem influenciar este ou aquele sector. Na generalidade, as empresas não conseguem acompanhar a dinâmica decisória da UE, pelo que só reagem (quando o fazem) já depois das resoluções terem sido tomadas e assumirem um carácter de quase irreversibilidade.

Ao actuarem a jusante e não a montante, como seria desejável, as empresas perdem, obviamente, capacidade de lobbing junto das instâncias comunitárias. Existem 20 000 grupos de interesse registados na UE e é neste caldo de cultura que, defendendo as suas corporações, os lobbies actuam e procuram influenciar as propostas comunitárias logo na sua génese. Isto porque, numa fase mais avançada do processo, os projectos de resolução estão já repletos de defensive points – pontos muito importantes na análise de uma proposta e que são acrescentados à medida que esta circula pelos gabinetes de Bruxelas.  

Neste sentido, as associações empresariais devem, não só servir de veículo de informação para as empresas, como ainda constituir-se como lobbies junto das instâncias comunitárias, de forma a melhor defenderem os interesses daqueles que representam. E, para serem eficazes neste capítulo, as associações necessitam de actuar na fase de elaboração de propostas e, porventura, escudadas numa superestrutura associativa de âmbito europeu, que poderá ser a UNICE – The Conferederation of European Business.

Ao determinarem o futuro económico da Europa a partir dos confortáveis gabinetes de Bruxelas, políticos e eurocratas podem, apesar de imbuídos da maior das boas vontades, "tomar a nuvem por Juno", prejudicando quem genuinamente querem ajudar. Como sabemos, são normalmente as economias mais frágeis as sacrificadas pelo voluntarismo excessivo da máquina comunitária, uma vez que as nações mais poderosas servem, quase sempre, de ponto de referência.

Ora, não é vantajoso transpor automaticamente para países menos desenvolvidos certas directivas – por exemplo, na área do Ambiente – baseadas em boas práticas de Estados-membros com um outro nível de progresso, sob pena de se produzir um efeito contrário ao desejado. Portugal não pode, de um momento para o outro, assumir a legislação mais progressista do espaço europeu só porque isso é considerado "politicamente correcto" pelos eurocratas. Há que pensar nas consequências imediatas, designadamente para a competitividade económica, de uma transposição tout court de certas directivas comunitárias, para que o país não dê um salto maior do que a perna.

Por outro lado, a Europa não deve ter a ilusão de que se basta a si própria, independentemente de tudo o resto que ocorre no mundo. A globalização, nunca é demais repeti-lo, obriga a UE a pensar num contexto mais vasto e em permanente mudança. Neste quadro, e embora a Europa não deva deixar de ser um farol de valores éticos, políticos, sociais, culturais e ambientais para as restantes civilizações, importa ser pragmático e perceber que, perante o esbatimento de fronteiras, o Velho Continente só poderá salvaguardar a sua matriz progressista se deixar cair velhos dogmas, como a rigidez do mercado de trabalho, por exemplo, e não ter a veleidade de tentar salvar o mundo.

O quixotismo europeu está bem presente no projecto de regulamento europeu denominado REACH (conjunto de medidas para regular a colocação no mercado e a utilização das substâncias e preparações químicas) que, independentemente da sua bondade intrínseca, vai ter certamente consequências nefastas para a competitividade do sector industrial químico do Velho Continente. Trata-se, pois, de um exemplo paradigmático de como o altruísmo europeu pode ser perverso. A propósito deste projecto, o Eng. Mira Amaral sublinhou, no seminário a que aludi anteriormente, que "a Europa devia ter consciência de que não pode limpar o mundo sozinha". Sábias palavras.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio