Opinião
O que não é transparente
A responsabilidade do desinteresse geral é da própria CMVM, porque era obrigação sua promover sessões de esclarecimento e liderar um debate que foi ela própria a lançar.
O leitor do Jornal de Negócios ter-se-á igualmente apercebido que estas novas regras incidem sobre a forma como são governadas as empresas cotadas em Bolsa, sobre as relações que estas estabelecem com quem audita as suas contas e, ainda, com os analistas financeiros que sobre ela emitem recomendações.
E, nos sucessivos depoimentos que temos vindo a recolher desde o dia 1 de Setembro, nas entrevistas de fundo mais recentes, também foi fácil entender que, no plano dos princípios, ninguém contesta a necessidade de reforçar as garantias de que, em Portugal, não será possível acontecer uma falência fraudulenta.
Não é um exercício de deslumbramento, mas dificilmente haverá alguém incapaz de reconhecer a justiça desta afirmação: quem não lê este jornal, não sabe o que está a acontecer, qual o alcance destas medidas, quais as questões polémicas que elas levantam.
A responsabilidade primeira deste desinteresse quase generalizado é, por razões óbvias, da própria CMVM. Justiça seja feita, nunca negou disponibilidade à comunicação social interessada. Não fez mais que a sua obrigação. Só que não a levou até ao fim.
Era obrigação sua promover sessões de esclarecimento, abrir fóruns de debate, envolver as classes profissionais visadas. Deveria ter sido a CMVM a liderar um debate que ela própria lançou. Não foi isso que aconteceu. Tendo já decorrido dois terços do período de reflexão, de crítica e, supõem-se, de possíveis alterações, pode dizer-se que o debate até hoje foi mais privado que público. E, sendo a “transparência” a grande bandeira deste pacote normativo, esta posição de avestruz da CMVM não é nada transparente.
Há outra coisa que não é transparente neste Pacote da Transparência. E, esta sim, mais séria, mais profunda e que a entidade de supervisão deve esclarecer: a denúncia, feita pelo discretíssimo líder da principal empresa de auditoria em Portugal, Luís Magalhães da Deloitte, sobre algo que aconteceu nos bastidores desta história.
Luís Magalhães tem a coragem de dizer publicamente aquilo que, logo no momento, não passou despercebido à jornalista Sílvia de Oliveira: entre o ante-projecto e a proposta final colocada a este debate semi-público, os analistas financeiros foram aliviados, as questões mais controversas do “corporate governance” foram desgraduadas para recomendações, só a parte dos auditores ficou como estava.
A Deloitte encontra uma explicação que não se consegue provar: a CMVM foi “convencida” pela força dos “lobbies” e não dos argumentos. A suspeição não é de hoje. Enquanto não for factualmente refutada, não há pacotes de transparência que nos valham.