Ainda quase ninguém tinha lido o prefácio dos "Roteiros VI" do Presidente da República (PR) e já políticos e politólogos em catadupa o criticavam num tom frenético e descontextualizado. A espuma (fácil e oportunista) mais uma vez a sobrepor-se à essência (que dá trabalho e exige rigor).

Lendo serenamente o texto, o que constatamos afinal? Uma prestação de contas cristalina e leal do PR perante os seus concidadãos, numa prática anual da sua magistratura activa. Um documento factual, não umas "memórias" pessoais. Uma preocupação patriótica face à "situação explosiva" do País.

Porquê este alarido? Onde está a "deslealdade institucional" do PR de que logo alguns próceres de Sócrates o acusaram? E que, quais virgens ofendidas, se apressaram a defender o indefensável, num serôdio branqueamento de atitudes absolutamente reprováveis do ex-PM.

Afinal o que é grave: o PR escrever sobre a fuga à realidade de Sócrates (o que era por demais evidente) e sobre o gravíssimo acto de omissão perante o que preceitua a Constituição como dever do Chefe do Governo em relação ao Chefe de Estado, ou são estes factos em si mesmos? Querer-se-á transformar o infractor na vítima e a entidade desrespeitada (e através dela os portugueses) no transgressor? Censura-se o prefácio do PR e aplaude-se o "posfácio" do então PM? Querer-se-á reescrever a história recente?

Há semanas, um ex-PR, Dr. Mário Soares também se referiu a uma "discussão gravíssima" que teve com Sócrates para, perante a sua cega obstinação, convencê-lo da necessidade de ajuda externa. E alguém criticou tal depoimento?

Lamento que no meio de tanta algazarra, os partidos que apoiaram a candidatura de Cavaco Silva não se tenham demarcado de tal campanha. Uma omissão e um silêncio injustos, insólitos e sem coragem!