Opinião
O IRC e a dupla tributação
Como precaução, evitando tentações, seria conveniente tributar as transferências financeiras para fora do perímetro fiscal do País, designadamente para paraísos fiscais, com a taxa de IRC agravada pela taxa liberatória fixada para dividendos.
A retenção de lucros é a forma de uma empresa se autofinanciar e deveria ser encorajada, nunca punida com um imposto, como hoje acontece
A decisão de rever a legislação que enquadra o IRC suscita a oportunidade para, ao regular o imposto, desfazer a confusão que a esquerda política faz entre empresas privadas e os seus donos, os tais capitalistas de que não gostam. Mas, sobretudo, tornar atractivo o investimento privado no nosso País.
A maior parte do investimento privado, se forem criadas condições apropriadas para investir em Portugal, será provavelmente estrangeiro. Para o cidadão comum, trabalhador, é indiferente que sejam estrangeiros ou nacionais. O que se pretende é que promovam novas indústrias, que criem valor, exportem para reduzir a dívida externa, reduzam o desemprego a valores normais e utilizem, quanto possível, "know how" e talentos nacionais desaproveitados.
O investidor, para aplicar o seu capital num projecto, vai antecipar uma rentabilidade. Essa rentabilidade é medida pelos rendimentos que espera retirar durante a vida do projecto. Como nós quando, por exemplo, aplicamos num depósito ou compramos obrigações.
As empresas privadas procuram obter lucros não só para no imediato remunerar o capital que os donos investiram, mas também, não os distribuindo na totalidade, para fazê-las crescer e até expandirem-se para outras áreas de negócio.
A retenção de lucros é a forma de uma empresa se autofinanciar, como que um investimento na própria empresa e, num País em que reconhecidamente as empresas estão descapitalizadas – uma das fraquezas mais sérias da nossa estrutura económica – deveria ser encorajada. Não punida com um imposto como hoje acontece.
Claro que com a retenção de lucros aumentou o valor da empresa. Mas o rendimento de que os donos beneficiarão por essa razão só se concretizará no acto de venda das suas participações e aí é, e deve ser, tributado como mais-valias.
Isto é, a tributação de lucros não distribuídos origina na verdade uma dupla tributação: como IRC, ao ser demonstrado no balanço da empresa, e como mais-valias, ao reflectir-se essa retenção no valor da empresa quando são transaccionadas participações no capital.
Há, com a revisão do IRC, oportunidades que não se podem perder. Baixar o valor para os 10% que já foram mencionados é uma redução suficientemente importante para ser notada e comentada internacionalmente. Um ponto para o marketing da captação de investimento. Que permite chamar a atenção para as outras vantagens que possamos apresentar. Suscitará perguntas, iniciando um diálogo. Importante num processo de "venda" como este. Uma redução menor não terá o mesmo efeito.
Outra oportunidade seria, ao regulamentar, aceitar no cálculo do valor tributável a dedução da parte que permanece investida na empresa. Aquele lucro que, não sendo distribuído, constitui autofinanciamento. Não fazendo confusão entre os donos, os capitalistas, que devem pagar sobre o que retiram, como se entenda que o devam fazer, e a empresa propriamente dita. Esta é instrumental igualmente para os trabalhadores, que dela tiram também os seus rendimentos e que apreciarão que a sua capacidade financeira não seja penalizada.
Como precaução, evitando tentações, seria conveniente tributar as transferências financeiras para fora do perímetro fiscal do País, designadamente para paraísos fiscais, com a taxa de IRC agravada pela taxa liberatória fixada para dividendos.
Atente-se na enorme simplificação das declarações fiscais que, desta forma, apenas teriam de mencionar transferências financeiras. Claro que haveria que procurar compensar a redução da receita de IRC (em relação à prática anterior) que não fosse coberta com os novos investimentos induzidos pela mudança. Mais reduções de despesa parecem até mais fáceis num ambiente de crescimento económico.
Economista