Opinião
Austeridade para ricos
A acumulação desproporcionada de grande parte da riqueza do mundo por um número ínfimo de pessoas deveria ser objeto de alguma análise, antes das proclamações indignadas contra o sistema capitalista.
Importaria distinguir entre capitalistas e empresas capitalistas, estas indiscutivelmente úteis e merecedoras de apoio e simpatia, aqueles exigindo uma apreciação caso a caso.
Parte esmagadora dos ativos detidos pelas pessoas mais ricas – a sua riqueza – é constituída por títulos representativos de investimentos no sistema produtivo, através de empresas capitalistas.
O resto da riqueza total é constituída por poupanças, nas mais diversas formas, desde as rendas (capitalismo hereditário), ao rendimento de participações financeiras, imobiliário, rendimentos do trabalho, etc.
A empresa capitalista é uma instituição que é criada e vive de entradas de capital feitas por capitalistas e da participação dos trabalhadores que nela se integram.
Remunerados pela empresa, os primeiros com a parte dos lucros que são distribuídos, os trabalhadores com o pagamento de salários. Acrescem, para os capitalistas, eventuais mais-valias na venda, quando é realizada de partes do capital.
Observe-se que na riqueza de cada capitalista as mais-valias potenciais indiciadas pela valorização em bolsa são contadas, e bem, pela Oxfam. Mas o método merece muitas reservas quando depois se utiliza para calcular a soma de todas as riquezas do conjunto dos ricos…
Atenuar o crescimento da desigualdade em relação aos mais pobres, não afetando a economia, só poderia ser feito reduzindo os rendimentos excessivos dos mais ricos sem atuar sobre as empresas, descapitalizando-as. O crescimento seria defendido através da recomendável eliminação da tributação sobre os resultados das empresas.
Quer a tributação dos resultados não distribuídos quer a aplicação de impostos sobre as empresas com o fito de reduzir desigualdades pela redução do património dos capitalistas afetam o crescimento da economia pelo ataque à porção do investimento total que é mais rentável (r>g, ainda Piketty). Não se justifica. E os lucros distribuídos são rendimentos. Devem ser tributados como os rendimentos dos trabalhadores.
Em casos como o nosso, com manifesta falta de capital nas empresas, não tributar os lucros retidos seria forma importante de melhorar a sua solidez financeira.
Claro que são criadas dificuldades orçamentais ao deixar de tributar a totalidade dos lucros. Mas, com o cuidado de não aumentar a carga fiscal sobre a economia, pode-se compensar a quebra de receita com a tributação dos rendimentos das participações financeiras. Separadamente, de forma progressiva, ou em conjunto com os outros rendimentos que normalmente já são tributados progressivamente. Com taxas marginais elevadas se necessário.
É a contribuição que julgo possível para atenuar o crescimento da desigualdade em relação aos mais pobres.
Nos Estados Unidos, quando foi necessário, no tempo do “New Deal” do presidente Roosevelt, as taxas marginais atingiram os 91% para rendimentos superiores a 200 mil dólares da época (equivalente hoje a cerca de dois milhões).
Uma austeridade para ricos. Era necessário. Fez-se.