Opinião
O fantástico Sr. Bowie (estaremos a ficar surdos?)
Estes são dias torpes para o "pop" em frequência modulada: é impossível distinguir as estações de rádio umas das outras.
Estes são dias torpes para o "pop" em frequência modulada: é impossível distinguir as estações de rádio umas das outras. As listas musicais equivalem-se em todas as frequências: oscilam entre o excesso grafico-rítmico supostamente moderno, e o saudosismo bacoco, ora revivido em "obras de época", ora recriado no retro-romantismo da próxima cantora ligeira, com défice de autoria e excesso de produção. Já ninguém corre riscos, tudo o que "toca" está pré-marketizado para o sucesso auto-referenciado e, por isso mesmo, granjeia uma fama que de pouco serve à nossa memória colectiva. São as consequências do imiscuir dos circuitos de criação e produção, com os circuitos de divulgação, promoção e exploração; são ilógicas de mercado e receitas de publicidade a caírem em flecha, como o "Dax" em dia de cimeira franco-alemã.
David Bowie vale 169 milhões de dólares (estimativa "Sunday Times", 2009). O sucesso no mercado alargado começa com a aposta pública da BBC em musicar a transmissão da chegada à lua da Apollo XI, com o seu "Space Oddity", em 1969. Seguem-se anos feéricos por entre as brumas púrpura do "glam-rock", personagens e alter-egos magros dos excessos físicos e verbais, iluminados pela alienação psicadélica e pela desagregação social pré-punk industrial do início dos anos setenta - o "Flower Power" estava morto. Com uma teatralidade única, inspirado pelo estilo musical de génios seminais sem jeito para se promoverem como Marc Bolan, e privilegiando a cena como lugar de reinvenção, Bowie explode em roupas inspiradas (ou mesmo "recicladas") do delicado Teatro japonês, o Kabuki, uma das mais primitivas e brilhantes formas de junção dramática entre gesto e som. Produz a pluridimensional encenação de "Ziggy Stardust" geminada com a consagração de "Alladin Sane" - o seu ego de "cantautor" que ouviu e cantou Brecht e Brel; no auge das suas qualidades e visão de produtor, emancipa-se das limitações do mercado britânico com o nova-iorquino Lou Reed para quem produz "Transformer" (1972; inclui "Perfect day ", "Walk on the wild side" e "Satellite of love"). Intoxicado, febril, muda-se para Berlim; segue-se a trilogia "Heroes", "Low" e "Lodger", e a parceria com o "Midas" Brian Eno (ex-Roxy Music, também ingenuamente conhecido como "o produtor dos U2"). "Let's Dance" há-de vender dezenas de vezes mais nos globalizados anos 80 que se haviam de seguir, sobretudo muito "por culpa" da íntima relação entre o mercado musical e a televisão, que tem no video-clip os seus três minutos de génese prolífera; mas a primeira sugestão "google" quando se introduzem as palavras que compõem o nome deste Londrino que recentemente celebrou 65 anos, é "Heroes". Porque nem só do que "vende muito" é feita a memória de uma obra e de uma época.
Portugal recebeu Bowie pela primeira vez em 1990; o mercado nacional é um mercado prolífero no consumo de musica ao vivo, dos Coliseus aos Festivais, até à escala local da pequena produção "de certame" ou dita "independente"; um concerto é sempre algo com uma capacidade arregimentadora superior para o nosso público e, porventura, uma excepção à regra da propalada, mas nunca provada, "indiferença nacional". Tal fenómeno não pode ser dissociado da superior oferta de produtos no sector da música, como mostra o facto de Bowie se ter estreado em Portugal há mais de 20 anos, e ao efeito que tem na fidelização e aumento da disponibilidade do(s) público(s). Parece que, afinal, o nosso sentido de espectáculo é mais apurado do que o abandono cultural a que o poder insiste votar-nos deixaria antever, na sua perturbante maleita de só consumir recursos sem nunca os rentabilizar. Estaremos a ficar surdos?
David Bowie vale 169 milhões de dólares (estimativa "Sunday Times", 2009). O sucesso no mercado alargado começa com a aposta pública da BBC em musicar a transmissão da chegada à lua da Apollo XI, com o seu "Space Oddity", em 1969. Seguem-se anos feéricos por entre as brumas púrpura do "glam-rock", personagens e alter-egos magros dos excessos físicos e verbais, iluminados pela alienação psicadélica e pela desagregação social pré-punk industrial do início dos anos setenta - o "Flower Power" estava morto. Com uma teatralidade única, inspirado pelo estilo musical de génios seminais sem jeito para se promoverem como Marc Bolan, e privilegiando a cena como lugar de reinvenção, Bowie explode em roupas inspiradas (ou mesmo "recicladas") do delicado Teatro japonês, o Kabuki, uma das mais primitivas e brilhantes formas de junção dramática entre gesto e som. Produz a pluridimensional encenação de "Ziggy Stardust" geminada com a consagração de "Alladin Sane" - o seu ego de "cantautor" que ouviu e cantou Brecht e Brel; no auge das suas qualidades e visão de produtor, emancipa-se das limitações do mercado britânico com o nova-iorquino Lou Reed para quem produz "Transformer" (1972; inclui "Perfect day ", "Walk on the wild side" e "Satellite of love"). Intoxicado, febril, muda-se para Berlim; segue-se a trilogia "Heroes", "Low" e "Lodger", e a parceria com o "Midas" Brian Eno (ex-Roxy Music, também ingenuamente conhecido como "o produtor dos U2"). "Let's Dance" há-de vender dezenas de vezes mais nos globalizados anos 80 que se haviam de seguir, sobretudo muito "por culpa" da íntima relação entre o mercado musical e a televisão, que tem no video-clip os seus três minutos de génese prolífera; mas a primeira sugestão "google" quando se introduzem as palavras que compõem o nome deste Londrino que recentemente celebrou 65 anos, é "Heroes". Porque nem só do que "vende muito" é feita a memória de uma obra e de uma época.