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O estado das coisas e as coisas do Estado

Neste momento de grande instabilidade nos mercados financeiros, devemos acolher e avaliar as críticas de que somos alvo para melhor perceber o que devemos fazer. A restituição de alguma estabilidade ao sistema financeiro não depende...

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Neste momento de grande instabilidade nos mercados financeiros, devemos acolher e avaliar as críticas de que somos alvo para melhor perceber o que devemos fazer. A restituição de alguma estabilidade ao sistema financeiro não depende exclusivamente de nós, mas devemos actuar dentro das nossas responsabilidades e capacidades nesse sentido, e quanto mais depressa melhor.

A crise na Grécia e a revisão das notações de "rating" contribuíram para a turbulência nos mercados. Um contexto muito perturbador para Portugal dada a sua sensibilidade às condições do financiamento externo. Estes dois acontecimentos contêm elementos úteis para reflexão. Comecemos com os argumentos utilizados na revisão da notação de "rating" para Portugal. Eles são essencialmente quatro: o baixo crescimento económico nominal do País perspectivado para os próximos anos; o nível elevado de endividamento; a incerteza com a capacidade de execução das medidas de consolidação orçamental e a alteração nas condições verificadas nos mercados internacionais.

A economia portuguesa tem revelado grande dificuldade em ajustar-se ao regime da moeda única num mercado global. Os níveis de produtividade persistem inferiores à média europeia pelo que os argumentos da competitividade ainda se baseiam numa evolução contida dos preços. Este contexto justifica a perspectiva de um andamento nominal da economia relativamente fraco. O endividamento é elevado e resulta da acumulação de desequilíbrios externos recorrentes. Como sabemos, estes dois factores não são novidade. Pelo contrário, nos últimos meses, as notícias sobre o crescimento e sobre o endividamento até terão sido mais favoráveis: durante o primeiro trimestre, a economia portuguesa terá apresentado um desempenho favorável, as indicações preliminares vão no sentido de uma redução do défice externo, e o sector privado terá retornado a uma situação de quase equilíbrio entre poupança e investimento, o que não acontecia há algum tempo). A Comissão Europeia reviu as projecções económicas para 2010, agora em Abril. Assim sendo, a instabilidade e a desconfiança que se abateram sobre os mercados portugueses resultaram ou de uma percepção tardia dos investidores com as debilidades estruturais do País ou do desencanto com a capacidade de execução de medidas de consolidação orçamental, nomeadamente tendo por referência o forte clima de contestação social que se verifica na Grécia.

De facto, o conjunto de medidas de reequilíbrio das contas públicas negociado com a Grécia é reconhecidamente severo: aumento da carga fiscal, redução de salários, aumento da idade da reforma, entre outros. Tão incisivo que o clima recessivo deverá acentuar-se este ano e será acompanhado de um aumento significativo da taxa de desemprego. Porém, apesar destas medidas, e admitindo que todas são implementadas e com sucesso, a dívida pública grega em 2014 persistirá com um valor extremamente elevado, atingindo nesse percurso de estabilização das contas públicas valores muito próximos dos 150% do PIB. Aliás, este será um dos motivos que certamente tem contribuído para que os investidores internacionais se mantenham cépticos relativamente ao sucesso do plano de ajuda. Desta experiência importa reter dois aspectos: o primeiro relaciona-se com a "armadilha do endividamento", que decorre da simultaneidade de um contexto de baixo crescimento com endividamento elevado. O que nos mostra a Grécia é que, não obstante o esforço exigido aos cidadãos gregos, este quase que se esboroa ao longo dos anos, revelando-se impotente para inflectir a trajectória de acumulação de dívida (na realidade há que atender ao que seria a trajectória da dívida se o ajustamento não fosse feito).

O segundo é que o processo de ajustamento da Grécia incorpora medidas de desvalorização competitiva, via redução dos salários, com o intuito de minorar o desequilíbrio externo. Estas medidas representam uma inovação na área do euro e acrescem às desvalorizações cambiais que no passado recente ocorreram em países do Leste europeu. Em conjunto, acentuam os desafios que se colocam ao actual modelo de ajustamento português inevitavelmente baseado numa recuperação das exportações/substituição das importações.

Por último, há ainda que atender a que a alteração nas condições de financiamento nos mercados internacionais encarregar-se-á de confirmar o baixo crescimento a que estará votada a procura interna em Portugal. O aumento do prémio de risco exigido à economia portuguesa significa uma maior selectividade nos investimentos passíveis de realizar (mesmo considerando uma atenuação dos valores instáveis e elevados actuais). As regras da análise de investimento mostram que a decisão de investir é função da realização de retornos futuros suficientes para remunerar o capital afecto e devidamente ponderado pelo risco. Se aumenta o risco eleva-se a fasquia para a aceitação dos projectos. Este aspecto é importante pois significa que a estratégia de crescimento por via do investimento está mais difícil de pôr em prática (para não falar do defeso no retorno do investimento ou da incerteza dos pressupostos na análise, dificilmente compagináveis com o grau de urgência presente no mercado).

Todos estes elementos sugerem que o grau de tolerância com ensaios de crescimento de resultado incerto e tardio é muito reduzido se não inexistente. Nessa medida, a política económica em Portugal deverá assumir uma postura muito pragmática, orientada para a redução do desequilíbrio orçamental, como objectivo intermédio para a resolução dos problemas estruturais do país. E, como nos ensina a Grécia, quanto mais depressa o fizermos, melhor.


Gabinete de Estudos do Millennium bcp
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