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Cristina Casalinho - Economista 26 de Setembro de 2008 às 13:00

Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe

Com a presente crise financeira, o universo bancário redesenha-se. O modelo de negócio dos bancos de investimento não suportou o reconhecimento sucessivo de perdas, quedas de valor de carteiras, erosão de capital, financiamento a custo superior ao do crédito concedido e reduzidas comissões em áreas de negócio em encolhimento rápido.

Desaparecidas estas instituições na sua forma original, regressa-se a modelos mais tradicionais, menos alavancados, mais conservadores e menos inovadores. Muito embora os bancos europeus não se defrontem com as dificuldades dos seus congéneres americanos, enfrentam igualmente uma insidiosa desconfiança instalada no sistema desde Agosto de 2008. O mercado monetário interbancário não funciona normalmente e os bancos centrais estão a substituir-se-lhe. Têm actuado de modo a assegurar fundos às instituições financeiras, mas os bancos permanecem renitentes em emprestar entre si. Diariamente, assiste-se à subida paulatina das taxas Euribor. E, até final do ano, deverão continuar a aumentar. Contudo, existe liquidez, pois as taxas de juro de curto prazo de dívida pública continuam a cair, chegando a atingir, pontualmente, no caso dos EUA, valores negativos.

Os bancos europeus estão em condições mais sólidas que os americanos. Os mercados imobiliários, excepto no Reino Unido, Irlanda e Espanha, não se deparam com o rebentamento de uma "bolha" especulativa, e as famílias europeias (novamente com excepção do Reino Unido) estão menos endividadas que as norte-americanas. Mas o desafio é igual. Está em curso um processo de desavalancagem do sistema financeiro; a carteira de crédito dos bancos encolhe ou a base de capital aumenta. O acréscimo da base de capital tem sido tentada, mas o entusiasmo dos investidores com aumentos de capital esfriou. Concomitantemente, os bancos têm alienado as carteiras de activos com maior potencial de perdas: produtos indexados ao mercado imobiliário americano, produtos estruturados de difícil avaliação, carteiras de participações financeiras… Por necessidade de fortalecimento dos balanços, e devido ao encarecimento do seu financiamento, vão restringir o acesso ao crédito. Portanto, a desavalancagem não será um processo exclusivo do sistema financeiro, mas de toda a economia. O retorno à poupança favorece os bancos, também pelo lado dos depósitos. Num ambiente de forte turbulência nos mercados financeiros, as famílias refugiam-se em instrumentos menos arriscados. O sistema vai regenerar-se com mais regulação, provavelmente, com mais transparência, numa versão mais conservadora. Independentemente dos reguladores imporem regras mais apertadas para o capital ou de divulgação de informação, os bancos sentir-se-ão obrigados a deter posições de capital mais confortáveis e a ser mais transparentes, por pressão dos investidores: accionistas e obrigacionistas, sob pena de irem engrossar a lista de vítimas da crise. Vão sobreviver os detentores de estruturas de capital mais sólidas e com mais liquidez. Vão aproveitar as oportunidades de crescimento, via fusão e aquisição, cujas portas se lhes escancaram. O sistema sairá fortalecido e concentrado em termos de recursos e de crédito. É o fim (por ora) do crédito barato e acessível.

Em Portugal, as instituições financeiras tendem a pautar-se por abordagens conservadoras do negócio. A exposição ao mercado imobiliário americano, ou a produtos considerados tóxicos, ou aos bancos de investimento com maior visibilidade no decurso do presente surto da crise é limitada. Recentemente, procederam ao reforço das estruturas de capital. Os custos de financiamento subiram para a banca nacional, mas aumentaram significativamente menos que para os bancos espanhóis comparáveis. E até o prémio de risco do Tesouro português aumentou cerca de 40 pontos-base. Acresce que o regime nacional de garantia de depósitos assegura um nível de protecção elevado segundo os padrões europeus. Os bancos nacionais vão subir "spreads" de crédito, aumentar as exigências de garantias, restringir volumes. O consumo privado pode crescer mais lentamente, mas tal poderá significar menos importações. Por outro lado, os depósitos representam 37% dos activos financeiros das famílias, e a habitação deduzida do crédito associado corresponde a 43% da riqueza líquida. Dada a solidez do sistema financeiro nacional e a estabilidade do mercado imobiliário, as famílias portuguesas gozam de conforto no que respeita às suas poupanças. As famílias americanas não poderão dizer o mesmo, tanto mais que não têm Segurança Social.
Declaração de interesse: trabalho num banco nacional.

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