Opinião
Não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe
Os indicadores de alerta para a aferição dos desequilíbrios macroeconómicos, nova ferramenta de política económica desenvolvida pela Comissão Europeia1, ajudam na avaliação dos progressos e dos desafios que se colocam a Portugal durante e após o programa de ajustamento em curso
No final de 2011 foi adotado a nível comunitário um conjunto de seis atos legislativos destinados a reforçar a governação da União Económica, que inclui o procedimento para a prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos. Como quadro analítico de partida foi definido um painel de indicadores para detetar desequilíbrios macroeconómicos potenciais. Este quadro é composto por dez indicadores macroeconómicos, divididos em três categorias: (i) desequilíbrios externos, (ii) competitividade; e (iii) desequilíbrios internos.
A Comissão Europeia divulgou em fevereiro os resultados da aplicação desta metodologia aos 27 estados membros da União Europeia (dados de frequência anual reportados a 2010). Doze países foram alvo de análise mais aprofundada. Os países sob programas de ajustamento (Portugal, Grécia, Irlanda e Roménia) não qualificaram para o exercício por já se encontrarem numa situação especial de programa de ajustamento. Todavia, foi disponibilizada informação que possibilita uma avaliação do desempenho de Portugal nestes indicadores de alerta.
Portugal, em 2010, não cumpria seis dos dez indicadores. Neste desempenho sofrível era acompanhado pela Irlanda (6); a Espanha (6); o Chipre (6); a Grécia (5), a Eslováquia (5) e a Estónia (5). No outro extremo, a Alemanha, a França, a Itália e a Eslovénia partilhavam uma situação menos problemática (2 em 10). Uma ordenação que, na generalidade, não apresentou alterações significativas no período 2001-2010, revelando alguma inércia e fiabilidade desta abordagem na identificação dos países que atualmente exibem dificuldades, com a notória exceção da Itália.
Por categoria, Portugal pontuou pior na categoria de desequilíbrio externo e interno. Na competitividade, os resultados apresentavam-se mais satisfatórios.
Para a aferição do desequilíbrio externo recorre-se à média trianual do saldo da balança corrente (fluxo) e ao endividamento externo líquido (variável de stock, que reflete o produto acumulado do primeiro indicador). Portugal apresentava valores de -11,2% e -107,5% do PIB, respetivamente, contra -4% e -35% definidos como os valores limites. Estes são dados de 2010. A evolução mais recente sugere que, com uma probabilidade significativa, em 2013 Portugal cumpra no critério do défice corrente (projeções do Banco de Portugal). Já o endividamento demorará, em situação normal, muitos anos até alinhar pelos patamares definidos.
Na categoria da competitividade, dos três indicadores utilizados, Portugal apenas não cumpria na evolução das quotas de mercado das exportações. Em 2010, apresentava uma quebra de -8.6 p.p. num período de 5 anos contra a referência de -6 p.p., um indicador que a maioria dos estados membros do euro também não cumpria. Quanto aos indicadores de preço e custo (taxa de câmbio efetiva e custos de trabalho) Portugal não apresentava desequilíbrios relevantes. Tendo em conta o comportamento mais favorável das quotas de mercado das exportações desde meados de 2006, muito em breve, Portugal cumprirá em todos os indicadores relativos à competitividade.
Finalmente, na aferição dos desequilíbrios internos, Portugal apenas cumpria em dois dos cinco indicadores. Falhava no endividamento, público e privado, e na taxa de desemprego. Perante a distância que os dois primeiros ainda exibem face aos critérios (249% e 94% do PIB, respetivamente, contra 160% e 60% do PIB) e ao aumento da taxa de desemprego (15%, atualmente, contra a referência de 10%) dificilmente Portugal cumprirá nestes critérios no futuro próximo. Já quanto aos indicadores "preço das casas" e "evolução do crédito" as tendências sugerem que Portugal continuará dentro dos valores limite estabelecidos.
Apesar do procedimento constituir tão-somente um método para a deteção de sintomas de desequilíbrios macroeconómicos, o posicionamento alcançado por Portugal suscita algumas reflexões: (i) que, dentro em breve, Portugal poderá passar de 6 para 4 nos critérios por satisfazer; retomando a classificação de 2002 e de 2004; (ii) que muito dificilmente se atingirá uma posição superior a breve prazo, dada a inércia e distância do objetivo dos indicadores onde não se cumpre - basicamente no legado do endividamento (privado, público e externo); (iii) que a correção está em curso, aferida pelo comportamento mais favorável dos indicadores de fluxo, na componente interna e externa; e (iv) que, tendo presente que o desequilíbrio externo reflete a combinação do desequilíbrio interno com a competitividade, então, este quadro analítico evidencia que boa parte da correção dos desequilíbrios macroeconómicos globais de Portugal passa sobretudo pela capacidade de ajustamento dos fatores internos.
1 Disponível no site do Eurostat ou da Comissão Europeia, sob o título macroeconomic imbalance procedure
Gabinete de Estudos do Millennium BCP
Assina esta coluna mensalmente à sexta-feira
Texto escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
A Comissão Europeia divulgou em fevereiro os resultados da aplicação desta metodologia aos 27 estados membros da União Europeia (dados de frequência anual reportados a 2010). Doze países foram alvo de análise mais aprofundada. Os países sob programas de ajustamento (Portugal, Grécia, Irlanda e Roménia) não qualificaram para o exercício por já se encontrarem numa situação especial de programa de ajustamento. Todavia, foi disponibilizada informação que possibilita uma avaliação do desempenho de Portugal nestes indicadores de alerta.
Por categoria, Portugal pontuou pior na categoria de desequilíbrio externo e interno. Na competitividade, os resultados apresentavam-se mais satisfatórios.
Para a aferição do desequilíbrio externo recorre-se à média trianual do saldo da balança corrente (fluxo) e ao endividamento externo líquido (variável de stock, que reflete o produto acumulado do primeiro indicador). Portugal apresentava valores de -11,2% e -107,5% do PIB, respetivamente, contra -4% e -35% definidos como os valores limites. Estes são dados de 2010. A evolução mais recente sugere que, com uma probabilidade significativa, em 2013 Portugal cumpra no critério do défice corrente (projeções do Banco de Portugal). Já o endividamento demorará, em situação normal, muitos anos até alinhar pelos patamares definidos.
Na categoria da competitividade, dos três indicadores utilizados, Portugal apenas não cumpria na evolução das quotas de mercado das exportações. Em 2010, apresentava uma quebra de -8.6 p.p. num período de 5 anos contra a referência de -6 p.p., um indicador que a maioria dos estados membros do euro também não cumpria. Quanto aos indicadores de preço e custo (taxa de câmbio efetiva e custos de trabalho) Portugal não apresentava desequilíbrios relevantes. Tendo em conta o comportamento mais favorável das quotas de mercado das exportações desde meados de 2006, muito em breve, Portugal cumprirá em todos os indicadores relativos à competitividade.
Finalmente, na aferição dos desequilíbrios internos, Portugal apenas cumpria em dois dos cinco indicadores. Falhava no endividamento, público e privado, e na taxa de desemprego. Perante a distância que os dois primeiros ainda exibem face aos critérios (249% e 94% do PIB, respetivamente, contra 160% e 60% do PIB) e ao aumento da taxa de desemprego (15%, atualmente, contra a referência de 10%) dificilmente Portugal cumprirá nestes critérios no futuro próximo. Já quanto aos indicadores "preço das casas" e "evolução do crédito" as tendências sugerem que Portugal continuará dentro dos valores limite estabelecidos.
Apesar do procedimento constituir tão-somente um método para a deteção de sintomas de desequilíbrios macroeconómicos, o posicionamento alcançado por Portugal suscita algumas reflexões: (i) que, dentro em breve, Portugal poderá passar de 6 para 4 nos critérios por satisfazer; retomando a classificação de 2002 e de 2004; (ii) que muito dificilmente se atingirá uma posição superior a breve prazo, dada a inércia e distância do objetivo dos indicadores onde não se cumpre - basicamente no legado do endividamento (privado, público e externo); (iii) que a correção está em curso, aferida pelo comportamento mais favorável dos indicadores de fluxo, na componente interna e externa; e (iv) que, tendo presente que o desequilíbrio externo reflete a combinação do desequilíbrio interno com a competitividade, então, este quadro analítico evidencia que boa parte da correção dos desequilíbrios macroeconómicos globais de Portugal passa sobretudo pela capacidade de ajustamento dos fatores internos.
1 Disponível no site do Eurostat ou da Comissão Europeia, sob o título macroeconomic imbalance procedure
Gabinete de Estudos do Millennium BCP
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Texto escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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