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Dois é companhia, três é uma multidão

Ser capaz de satisfazer as necessidades de financiamento regulares da economia constitui elemento importante para a sustentabilidade da dívida externa portuguesa

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A execução orçamental desapontou e alguns estudos económicos sugerem que os modelos de previsão poderão ter subestimado o impacto a curto prazo das políticas de austeridade sobre o crescimento e o desemprego ("multiplicador fiscal"). Perante a evidência do momento e a investigação teórica clama-se pelas consequências devidas, no desenho e na aplicação dos programas de ajuda e nas políticas económicas prosseguidas.

O relatório do FMI (WEO out.2012) reforça as conclusões de um conjunto de análises anteriores sobre a possibilidade do valor dos "multiplicadores fiscais" ser substancialmente superior ao regularmente usado nos modelos económicos durante o período da "Grande Recessão" (2010-2011). De acordo com a interpretação do FMI, este aumento no "multiplicador fiscal" poderá resultar da conjugação de vários fatores: (i) da folga produtiva; (ii) da ineficácia parcial da política monetária convencional; (iii) dos processos de ajustamento orçamental em várias economias com forte integração económica e financeira entre si; e (iv), aditamos, os requisitos regulatórios mais exigentes sobre o sistema financeiro, de efeito pró-cíclico. Resumindo: um problema de austeridade simultânea.

Posto isto, não só o FMI não descarta a necessidade de medidas de consolidação orçamental para assegurar trajetórias mais sustentáveis para as contas públicas, como acrescenta um outro fator (no texto de análise global) que se afigura igualmente importante: o sentimento prevalecente de incerteza, ao nível do ambiente macroeconómico e da decisão e orientação política.

Separemos a questão das consequências a retirar desta reavaliação de resultados de política em dois grandes grupos: os países que ajudam e os países ajudados.

Do primeiro grupo alguns sinais de mudança, já anteriores a esta formalização do problema: maior predisposição para a revisão de metas orçamentais, como aconteceu com Portugal e com outros países europeus; o ajustamento na política monetária europeia, para enfrentar o parcelamento do mercado único europeu; o adiamento e a revisão de algumas medidas de regulação, por forma a atenuar o impacto pró-cíclico da regulação mais exigente num contexto de dificuldade económica; os sinais preliminares de que Estados-membros com maior folga orçamental poderão assumir medidas mais expansionistas; e, circunstancial ou não, a instabilidade por via da discussão das políticas europeias tem estado menos ativa. Poderá não ser ao ritmo nem na dimensão que se gostaria, mas constituem exemplos das "consequências" na atenuação do problema da austeridade simultânea.

Ao nível dos países ajudados, e, especificamente, de Portugal, as consequências solicitadas têm-se centrado na renegociação dos programas de ajuda (taxas de juro e período de ajustamento/financiamento) e nas medidas de incentivo à despesa, em particular ao investimento.

Quanto às taxas de juro, da parte europeia, os custos de financiamento exigidos aos estados ajudados correspondem aos custos da emissão em mercado. Reduzi-los significaria um custo efetivo, e não meramente contingente como a garantia que agora apõem, para os demais Estados-membros. Do lado do FMI, as condições dos empréstimos não se terão alterado. Porém, a taxa de juro, pelo mecanismo de indexação às taxas de juro de curto prazo de quatro moedas (dólar, euro, libra e iene), é conjunturalmente baixa e renegociar "spreads" com uma plateia vasta de países (mais de 180 participantes no FMI), muitos dos quais com níveis de riqueza substancialmente inferiores aos dos países da periferia europeia (por exemplo, o Paquistão, que tem direitos de voto similares a Portugal no FMI, apresenta um PIB per capita cerca de 10 vezes inferior a Portugal), afigura-se complicado.

Não ocorreram alterações quanto ao período de ajustamento do programa e do financiamento oficial que o acompanha, mas, no período 2012/2013, as comparticipações da UE no co-financiamento de projetos europeus dirigidas a Portugal aumentaram em média em 2 mil milhões de euros e as cimeiras europeias mais recentes concederam aval político a políticas de investimento mais agressivas por parte de instituições supranacionais europeias como o BEI. No retorno ao mercado, o BCE poderá constituir parte importante da procura.

Quanto às políticas de incentivo à despesa, nomeadamente de investimento, como a última década demonstrou, o problema não residiu na quantidade, mas na qualidade. Em termos relativos, a taxa de investimento em Portugal, medida em relação ao PIB, ainda é muito semelhante à da média da área do euro (17% em Portugal contra 19% na AE17, estimativas 2012). No caso do consumo, Portugal regista níveis muito superiores (66% contra 57%). Ora, ser capaz de satisfazer as necessidades de financiamento regulares da economia constitui elemento importante para a sustentabilidade da dívida externa portuguesa, objetivo que, no curto prazo, limita as opções por medidas do lado da despesa.

A iniciativa do FMI reforça a perceção do problema da austeridade simultânea e confere-lhe um estatuto superior nos fóruns de política global, o que é positivo. Mas, das implicações para Portugal, parece resultar sobretudo um argumento, de peso, para influenciar práticas de terceiros, mas não tanto para um apartamento significativo de uma política que vise o equilíbrio das contas públicas a prazo.

Gabinete de Estudos do Millennium BCP
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