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Agradar a gregos e a troianos

A consolidação dos progressos registados nas contas externas portuguesas persuade a que o crescimento económico seja sobretudo o resultado de capacidade de captação de procura.

O programa de ajustamento económico negociado com Portugal compreende três grandes linhas orientadoras: a consolidação orçamental, as reformas estruturais e a estabilidade financeira. Sabendo-se, de partida, que os benefícios esperados das reformas estruturais, em termos de consolidação das finanças públicas e de crescimento económico, teriam materialização mais tardia, e, por conseguinte, não conseguiriam suplantar em tempo útil o efeito recessivo da restritividade orçamental e do processo de desalavancagem. Este impacto foi ainda reforçado, no último ano, pelas maiores exigências associadas ao quadro regulatório do setor bancário, nomeadamente ao nível dos requisitos de capital. Tudo, somado a um contexto de forte incerteza que elevou o risco do país para níveis sem precedentes.

Tendo em conta as características e os desequilíbrios da economia portuguesa, designadamente o recurso preferencial a financiamento bancário e o nível de endividamento médio muito elevado das empresas portuguesas, esta simultaneidade de restrições e de contexto adverso contribuiu para agravar as condições de financiamento e, consequentemente, a evolução da atividade económica e do desemprego em Portugal.

Mais recentemente, verifica-se uma particular sensibilidade das autoridades para a cumulação destes efeitos. Da parte do BCE, destaca-se a predisposição a maior intervenção nos mercados de dívida pública, tentando colmatar o fracionamento dos mercados europeus e inverter o efeito de contágio negativo do risco país nas condições de financiamento da economia como um todo - por exemplo, de acordo com as estatísticas do BCE, as taxas de juro médias para os novos empréstimos a empresas no seio da UEM diferem muito de país para país, mas quase todas refletem um diferencial muito idêntico face ao custo da dívida pública do país respetivo (cerca de 2 p.p. se avaliado contra instrumentos a dois anos). Do lado do programa de ajustamento, a revisão das metas para o défice público em Portugal para o período 2012-2014.

Esta contextualização é importante na análise do dilema entre a austeridade e o crescimento económico com que se confronta Portugal, num quadro de financiamento condicionado. Independentemente da controvérsia associada à medida "desvalorização fiscal", sempre de calibragem muito complexa para conciliar critérios de neutralidade de receita do Estado com a respetiva materialidade do lado das empresas, permanecem como relevantes as iniciativas que visem a recapitalização do setor empresarial, seja pela atração de capital, pela retenção de resultados, por mecanismos dedicados ou procura dirigida.

A consolidação dos progressos registados nas contas externas portuguesas, tão mais notável quanto se processou em ambiente de manutenção do preço mundial da energia em patamares elevados e de crescimento anémico dos principais mercados de destino das exportações portuguesas, persuade a que o crescimento económico seja sobretudo o resultado de capacidade de captação de procura. Capacidade que beneficiará com a redução do risco país que está em curso e com o robustecimento da estrutura financeira das empresas portuguesas, permitindo aceder a condições de financiamento mais competitivas.

Gabinete de Estudos do Millennium BCP

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