Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
15 de Julho de 2002 às 15:58

O estado da arte no sector alimentar

«O hard discount deverá ceder terreno ao Value for Money, onde bons produtos serão comercializados a preços competitivos.»

Paulo Morgado, Vice-President da Cap Gemini Ernst & Young

  • ...
Os agentes que actuam no mercado de bens de grande consumo alimentares, desde o agricultor até ao retalho, terão que estar especialmente atentos a meia dúzia de mudanças que se avizinham e que irão transformar, a prazo, um sector não muito dado (pelo menos no passado) a alterações drásticas. Esta é a mensagem de um importante estudo levado a efeito pela Cap Gemini Ernst & Young a nível internacional.

1. Um cliente mais exigente – É hoje possível identificar e quantificar pelo menos oito segmentos de consumidores alimentares, que variam desde os «Bio fãs» ou «Price Oriented» até aos «cozinheiros de fim-de-semana» ou «amantes da cozinha». Cada um deles terá necessidades naturalmente distintas que exigem ofertas distintas, mas sempre dentro de um (aparentemente) inevitável contexto de globalização (mais sortido) com personalização (mais formatos). Por outro lado, o consumidor pretenderá cada vez mais uma oferta que ultrapasse o tradicional conceito de produto/preço. Assim, atributos como o Acesso (que inclui estacionamento, período de atendimento ou a facilidade de circulação nas lojas), Experiência (que inclui a cortesia e disponibilidade dos empregados, as áreas de laser ou a limpeza das lojas) e Serviço (que inclui a facilidade de devolução ou a entrega ao domicílio), devem ser tão bem projectados e desenvolvidos como qualquer inovação de produto. Ser excelente num destes atributos pode ser, aliás, uma forma de o retalho criar uma marca de insígnia, com uma proposta de valor específica. No que diz respeito à fase da cadeia de valor que o consumidor privilegia no momento do consumo, os agentes terão que estar cada vez mais atentos ao forte crescimento do pronto a comer. Com efeito, a redução em 44% no tempo gasto na preparação da refeição principal, passando de 36 minutos em 1989, para apenas 23 minutos em 2000, reflecte esta crescente procura de alimentos já confeccionados. A este propósito veja-se o êxito internacional da Cadeia «Prêt-a-Manger», que por acaso é detida pela MacDonald’s... Todos sabemos o quão interessante em termos de margens é estar o mais a jusante possível na cadeia de valor (veja-se a este respeito a figura anexa, que ilustra o exemplo do mercado das panquecas).

2. Fusões e aquisições e crescente poder das marcas – A médio prazo, a necessidade de diluir custos administrativos (benefício tipicamente obtido pelos produtores) ou custos com aprovisionamentos (benefício tipicamente obtido pelos distribuidores), conduzirá a novas vagas de fusões e aquisições, fazendo com que haja apenas 4 a 5 distribuidores e 20 a 25 produtores a operar a uma escala global. Por outro lado, em virtude das maiores barreiras à entrada para criação de uma marca (vejam-se hoje os factores de distracção catapultados pelos media, comparado com o que acontecia no tempo em que apareceu a Coca-Cola), haverá a tendência para que os proprietários destas últimas alarguem o conjunto de produtos e sub-marcas que comercializam sob o seu «umbrella» (a Mars entrou nos gelados e nas bebidas). Então e o que acontecerá às marcas da Distribuição? Estas terão o seu espaço, sempre que verifiquem os seguintes factores: i) os produtos que as ostentam são frescos ou semi-frescos; ii) ... são oriundos de marcas por construir, iii) ... nos quais a Distribuição possua uma elevada quota de mercado e iv) sempre que a Distribuição possua uma proposta de valor específica que quer comunicar.

3. Transformação do actual formato das lojas – A crescente necessidade de possuir um maior sortido e gama de formatos - resultante da maior exigência dos consumidores e dos movimentos de globalização -, associada ao interesse em comercializar produtos onde o poder negocial é superior, em virtude de um maior controlo da cadeia de valor alimentar a montante, levará a que os Hipermercados privilegiem os produtos alimentares, dando-lhes mais espaço de prateleira. Os Supermercados continuarão a capitalizar na conveniência resultante de localizações centrais, associando mais serviços (lavandaria, fotografias, etc.) à sua oferta habitual. O «hard discount» deverá ceder terreno ao «Value for Money», onde bons produtos serão comercializados a preços competitivos. Finalmente, as lojas de conveniência apostarão cada vez mais no pronto a comer, competindo directamente com alguns formatos de restauração. Por outro lado, a crescente importância do pronto a comer fará com que seja importante olhar para as vantagens competitivas de vários «players»: a eficácia de custos da maior parte dos retalhistas, a excelência de serviço de algumas empresas de «catering», a inigualável hospitalidade de alguns restaurantes, conjugadas com a imbatível gama de produtos de algumas lojas de especialidade! Perguntará agora o leitor – então e a Internet? Bom, a Internet evoluirá lentamente (reforçando, assim, a necessidade da excelência de serviço ao nível dos pontos de venda): a «e-quota de mercado» não deverá ultrapassar os 5% durante os próximos 7 a 10 anos... No extremo oposto interrogar-se-ão os fãs do comércio tradicional – o que acontecerá com as pequenas lojas de bairro? Isso dependerá da sua capacidade de manutenção de um elevado rácio conveniência/preço face à distribuição moderna e do nível de contenção de custos fixos que se consiga atingir.

4. Novos posicionamentos para o Retalho, na Cadeia de Valor – A Distribuição Moderna, habitualmente mais dada a questões de preço, vai ter que se orientar para a superação de uma série de novos desafios: a conquista da fidelidade dos consumidores, através do recurso aos já mencionados atributos que complementam a oferta tradicional – acesso, experiência e serviço; o desenvolvimento das suas funções de suporte críticas como sejam os recursos humanos e os sistemas de informação, por forma a conseguir implementar a proposta de valor escolhida; um conhecimento detalhado do consumidor e um posicionamento como «agência de qualidade» dos seus cliente, face aos produtores; etc. A este propósito convém referir que apenas uma muito reduzida minoria de consumidores consegue identificar qual a sua insígnia preferida. O que é que falta? Marca! E para haver marca o que é que tem que haver? Proposta de Valor! E para haver proposta de valor o que é que tem que haver? Diferenciação! E para haver diferenciação o que é que tem que haver? Provavelmente algo diferente daquilo que todos dão... Provavelmente algo diferente do preço! Contudo, atenção... Eu não estou a dizer que o preço não seja importante. O que eu estou a dizer é que o preço é (a maior parte das vezes) uma condição necessária. O que não é de certeza é uma condição suficiente.

5. Maior cooperação ao longo da Cadeia de Valor – Aqui o assunto é simples: há oito mil milhões de euros de poupanças para explorar até 2010, através do incremento da cooperação ao longo da cadeia de valor. Trata-se de um win-win game! O que fazer? O leitor já estará farto de saber: standardização da informação (sistemas de informação e webização) e logística (garrafas, paletes, etc.) que assegure a inter-conectividade entre operadores; incremento das actividades de CRM partilhadas; continuação do outsourcing de actividades não «core» (as empresas de logística agradecem); opção por produção virtual, quando for caso disso; selecção de parceiros preferenciais...

6. Maior orientação dos produtores para o consumidor e retalho – Finalmente as recomendações para os agentes mais a montante. Em primeiro lugar o agricultor. Aqui dois conselhos: desenvolvimento de marca (exemplo: denominação de origem) e orientação para a procura (tal como no século passado aconteceu a viragem dos industriais de orientação para a produção para orientação para o mercado). Quanto aos produtores, também alguns conselhos a finalizar: inovação constante do produto, por forma a minimizar a importância das marcas da distribuição; construção de relações de longo prazo com os consumidores e com a Distribuição; substituir o papel do retalho quando tal se afigure como uma oportunidade, através de máquinas de vending, lojas de fábrica, serviços de catering e internet; trabalhar directamente com os departamentos de marketing da Distribuição, canalizando parte dos seus investimentos publicitários para promoções no ponto de venda; concentrarem-se naquilo que sabem fazer melhor: se for marca, até eventualmente poderão subcontratar a produção, se for produção, até eventualmente poderão ajudar a desenvolver algumas marcas de distribuição.

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio