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Opinião
13 de Maio de 2005 às 13:59

O espião que veio do quente

O sol já ia alto, irradiando o calor típico de uma manhã de Julho, quando o apito do comboio anunciou a sua chegada à estação do Barreiro. João Trapézio foi dos primeiros a sair, dirigindo-se em passo asiático para um outro vagão, onde recolheu a sua bici

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João não saiu logo da estação, ficando especado à frente da porta principal, entre a sua burra e uma mala preta cuidadosamente pousada no chão.

Passado algum tempo, aproximou-se dele um outro pintas, empunhando uma mala idêntica à sua, bem como uma super loura, saída não se sabe de onde, que pediu lume a ambos. O pintas pousou a mala para aceder ao desejo da senhora, ao mesmo tempo que João flectia ligeiramente as pernas e pegava nela (na mala, claro está), saindo de fininho.

Mala na burra, Trapézio dirigiu-se para Lisboa, dando entrada na faixa vermelha da Ponte 25 de Abril, algumas horas depois. Foi aí que se estatelou mesmo a meio da travessia, partindo a garrafa de JB que nunca largava. Foi também aí que, enquanto olhava o Tejo através dos buraquinhos, sentiu o cheiro da GNR e se apressou a retomar o seu caminho.

A perseguição iniciou-se com dois BMW pretos - A e B. A burra aguentava-se como podia, andando em frente com o guiador virado para a direita. A e B iam alternando posições (sempre com o algarvio no meio) esperando desta forma não ser reconhecidos. João acabou por conseguir escapar aos guardas, na subida que o conduzia à torre onde o amigo tinha o escritório - os oficiais haviam-se espetado um contra o outro, no decurso de uma troca de posições mal calculada.

João trabalha numa biblioteca em Faro, onde lê e relê todos os livros de espionagem. Foi por isso, aliás, que o seu amigo Alec lhe pediu os préstimos.

Queria descobrir se a sua secretária o enganava com outro.

O gabinete de Alec situava-se no último andar. A vista sobre o rio era soberba. João prometeu que trataria de tudo muito rapidamente. Só precisaria de um carro e uma caneta - o carro para as deslocações e a caneta para tirar notas durante a investigação (sim, não era para disparar contra ninguém). O empresário de imediato lhe estendeu a caneta, uma Waterman Edson, mas coibiu-se de lhe emprestar o seu Aston Martin DB4 GT, pedindo antes que lhe entregassem o Clio de serviço.

Olhando para o seu Piaget Protocole XL Reserve de Marche, Alec perguntou a João se tinha fome. Iria pedir à sua secretária para lhes ir buscar umas sandes.

Com a costa livre, João não resistiu: abriu a mala preta e retirou do seu interior um kee logger, instalando-o entre o teclado e o computador da secretária – o dispositivo, que um amigo seu informático lhe arranjara, permitir-lhe-ia detectar todas as teclas premidas durante um certo espaço de tempo. De seguida, desligou e voltou a ligar o computador e vasculhou cuidadosamente o cesto dos papéis, onde descobriu uma tablete vazia de Serenal e – sorte das sortes - um extracto do cartão Visa. Pediu também ao empresário que solicitasse as cópias das facturas detalhadas do telemóvel da senhora – o que este fez, mas solicitando igualmente outras facturas (para não dar nas vistas).

Quando a secretária voltou com as sandes, aproveitou para segredar ao seu patrão, que naquela noite, uma vez mais, não se poderiam divertir - precisava de fazer serão para pôr uns trabalhos em dia. Alec comentou o facto com o amigo, que lhe disse saber como verificar se isso era verdade.

Depois da rápida refeição, João aproveitou para analisar o lixo acumulado junto das fotocopiadoras do piso, descobrindo listas de preços, análises laboratoriais de produtos, estudos de mercado e outros documentos que ele não sabia bem o que eram. Nada de cartas de amor, contudo.

Conseguiu ainda apanhar o chaveiro da senhora, negligentemente pousado em cima da sua secretária, tomando-o emprestado durante os breves minutos necessários, para, com plasta polvilhada com pó de talco, conseguir fazer moldes de todas as chaves.

João saiu por volta das cinco, no Clio. Antes, colocou um cadeado na sua bicicleta e um relógio de ponteiros tipo Swatch (utilizado pela empresa para oferecer a clientes), embrulhado em papel, debaixo da roda traseira do carro da secretária.

Encontrou-se mais tarde com um velho amigo que prontamente lhe fez as chaves e foi jantar a um restaurante de strippers com Alec.

No outro dia, voltou ao escritório muito cedo. Apanhou o relógio partido no lugar onde se encontrava o carro da secretária na noite anterior e verificou que indicava três e dez (era verdade, a secretária fizera serão).

Subiu ao último andar, já munido de um cartão de identificação temporário solicitado por Alec, e desmontou o kee logger, passando de seguida a descodificar a informação. Conseguida a password (introduzida pela secretária no dia anterior, após o desligar e ligar), navegou pelo computador, analisando os mail recebidos e enviados, os últimos documentos abertos (em «Start», seguido de «Documents») e o «Recycle Bin». Uma vez mais, encontrou planos de Marketing, análises de vendas (por distribuidor e ponto de venda), detalhe dos custos dos produtos vendidos, mas nada de cartas de amor.

Deparou-se, no entanto, com uma grande quantidade de e-mails enviados para um tal «sfonseca» da Competitor (é o que diz o endereço). Os telefonemas identificados na factura de telemóvel também indicavam a existência de muitos telefonemas para a Competitor e o extracto do cartão Visa revela vários almoços e jantares em restaurantes que, vem a saber, se situam na zona da dita empresa.

Na ausência de Alec (no estrangeiro e ansioso por experimentar o truque que João lhe ensinou de se ausentar da mesa de negociações deixando sobre a mesa o seu telemóvel ligado a outro que leva no bolso), João aproveita o resto da manhã para ir arranjar a bicicleta e investigar a caixa de correio da secretária (evita entrar em sua casa, por ser demasiado arriscado). Acaba por descobrir um envelope branco que deixa revelar um cheque da Competitor quando pulverizado com uma lata de ar comprimido (o envelope fica transparente quando molhado e volta a ficar imaculado quando seco).

Volta ao escritório ao fim da tarde. Com uma espécie de picador de gelo parte o farol de trás do carro da secretária.

À noite limita-se a seguir o carro com uma luz traseira branca (em vez de vermelha), alternando os médios do Clio com as luzes de nevoeiro (dá a ideia de que são carros diferentes). Descobre que «sfonseca» afinal deve ser uma senhora. Uma senhora a quem ela entrega uns envelopes.

João respira fundo. Tem boas notícias para dar a Alec. A sua segunda patroa não o engana com outro...

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