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O Falsário IV | opin 15 de Julho de 2005 às 13:59

Distratos de Prestação de Serviços

Esta é a história de um caçador e de um ensinador: o Sr. Brasão e o Sr. Spitfire. (Hum... Não me parece que este começo seja muito sedutor. Pode até confundir-se com contos do mundo rural, inevitavelmente longe dos holofotes urbanos que atraem os nossos g

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Esta é a história de um Caçador de Cabeças e de um Experto: Dr. Brasão e Dr. Spitfire. (Está melhor)
Comecemos pela história do Dr. Brasão.

Brasão, dedica-se ao recrutamento de quadros de alta direcção. Esses que, uma vez caçados, ficam (pelo menos temporariamente) ao abrigo de más avaliações, uma vez que os seus chefes são poucos – e muito ocupados – e que essas avaliações se fazem com base em resultados que não têm que aparecer de imediato. Rapaziada sem chefes e com estados de graça, portanto.

Brasão vive mergulhado em todos os círculos sociais que é possível imaginar, assegurando a manutenção da sua barriguinha peluda em almoços, cocktails e jantares. Não há grupo em que não participe, não fazendo - como manda a Constituição - qualquer distinção em função «de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social» – um verdadeiro anfíbio, o bicho!

Nesses círculos sociais, qual caçador, fala com os patos: analisa as preferências e necessidades de potenciais clientes (procura); examina quais os quadros, recrutados por si ou por outros, que estão, ou estarão (tempo verbal que ele pode influenciar), no mercado de trabalho (oferta); detecta ou actualiza forças de lobby e grupos de influência (política); escuta segredos negligentemente desvendados por uns tintos a mais (apropriação de poder); segreda palavras de ameaça a alguns ouvidos (utilização do poder); e divulga salários ou perfis em carteira falsamente inflacionados (manipulação de mercado). Um verdadeiro furão, o bicho!

Depois, chega ao escritório, mete uns cartuchos na espingarda e começa o tiro aos patos...

Jogo 1 – Os patos são lançados de um atirador mecânico (patos sem liberdade) - Tem uns quantos incompetentes que não duram nas empresas mais do que uns meses (e por isso, ao rodar muito, proporcionam bom volume de negócio) e que ele começa por impingir aos amigos das festas. Os amigos, que o caçador coloca nos píncaros enquanto forem comprando e que ameaça destruir se não comprarem, acabam por ficar com o incompetente a troco (ainda) da passagem de informações confidenciais e jogos de influência proporcionados por quem trabalha com muitas empresas (fornecedoras, concorrentes e clientes umas de outras!) e frequenta muitas festas. Tudo se baseia, em braços mecânicos – artificiais e ditadores.

Brasão – que gosta muito de carros e até tem um Shelby/Cooper King Cobra (com as suas iniciais gravadas na parte inferior da cambota?) - aprendeu estas tácticas com um mecânico seu amigo que, após arranjos muito acima do orçamentado e muito abaixo da qualidade prometida, ameaçava os seus clientes com uma chave inglesa ou com a apreensão do carro, caso se recusassem a pagar.

Jogo 2 – Os patos andam livremente pelas coutadas (patos em liberdade) - Aqui o caçador arranja uns furões que vão à procura dos patos, os convencem de que a sua organização precisa de uns ajustamentos e que eles (caçadores) conhecem os perfis certos para o seu preenchimento. Esta necessidade nasce amiúde de serviços complementares de avaliação de quadros de alta direcção que são prestados pelos próprios Caçadores de Cabeças. Aqui não há nenhum braço a lançar o pato. Aqui o pato levanta voo livremente ao contratar os serviços do caçador.

Brasão aprendeu esta segunda táctica com um canalizador que lhe é íntimo. O canalizador aparece com uma farda e identificação convincentes em casa das pessoas, alegando que se suspeita de fugas de gás na zona. Uma vez em casa dos patos, passam sorrateiramente um spray inflamável nos canos e depois, com um isqueiro, confirmam que de facto sempre existia uma fuga.

Segue-se, então a oferta de serviços (absolutamente desnecessários): «ou fazemos já a «reparação», mas pagando taxa de urgência, ou então voltamos cá dentro de duas semanas que é quando temos agenda...»

Então e o Dr. Spitfire? Qual é a história do Spitfire?

Spitfire tem duas peculiaridades: usa o seu faustoso F.P. Journe Invenit et Fecit por cima do punho da camisa e mete a Hakase Tortoiseshell atrás da orelha sempre que se prepara para escrever mais um artigo ou um parecer.

Spitfire também frequenta festas, como Brasão. Mas, para além desta actividade, Spitfire tem que escrever. Escreve livros e artigos para a imprensa. Mas também dá conferências. Tudo o que possa elevar a estatuto celestial as suas qualidades de experto.

Spitfire é experto. Os outros são jumentos.

O jogo de Spitfire é só um: o burro em pé – em que o único que tira cartas é o experto e em que ganha quem mandar o jogo todo a baixo, como se de um contrato de prestação de serviços se tratasse.

O experto começa por fazer umas palestras para um conjunto de jumentos. No final da palestra, o experto espera que os jumentos se aproximem e ataca-os, demonstrando-lhes subtilmente que tem remédio para todos os seus males – um verdadeiro vendedor de banha da cobra, o experto!

É então que os jumentos quase lhe começam a suplicar que ele se digne vender-lhe os seus serviços de consultoria. A muito custo, porque muito ocupado, o experto lá acede a fazer-lhes um parecer. Qual o preço? Ninguém se atreve a falar nisso...

Nos dias que se seguem, o experto vai enviando uns documentos não pedidos e a malta vai ficando com aquilo. Depois, os jumentos vão espalhando entre os amigos que têm o experto a assessorá-los – «sim, aquele que aparece nos jornais e já escreveu muitos livros»! (que prestígio...)

Quando já estão suficientemente entalados, recebem então o orçamento. O preço é feito a «olhómetro» pelo experto, sendo moderado q.b. para não afastar o jumento. Este, zurrando, e considerando os trabalhos já recebidos (previamente escritos e reutilizados com todos os clientes), a propaganda que já fizeram aos amigos e o preço que até nem leva a empresa à falência, lá acabam por assinar.

Assinam a carta de adjudicação e assinam, ao mesmo tempo, um contrato e um conjunto de formulários contendo regras de lana-caprina que dizem que o cliente se disponibiliza a fazer reuniões com o experto, a autorizar visitas às suas instalações, a falar com certos colaboradores previamente identificados e... (também assinando de cruz)... aceita o relatório final do experto!

Nos dias seguintes, o experto concentra-se em duas tarefas principais: fazer a reunião oficial de arranque dos trabalhos e cobrar a maior percentagem possível dos seus serviços.

O jumento, quase tendo vergonha de argumentar contra o pedido de dinheiros por parte de tão ilustre personagem, lá acede a pagar adiantado – até porque o Dr. Spitfire sabe como passar a mensagem de que se tal não acontecer, certas pessoas muito importantes, incluindo banqueiros e, quem sabe, até alguns jornalistas, vão ficar a saber que o jumento é um caloteiro...

Adiantadas as somas e passados uns dias, o jumento recebe duas páginas A4 com um conjunto de banalidades. É esse o trabalho.

É esse o trabalho que até já está aceite.

Brasão e Spitfire vivem felizes. Um caçador e um experto, num mundo urbano de patos e jumentos - uma espécie de quinta de celebridades!

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