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Opinião
25 de Janeiro de 2002 às 16:30

«O ano da tripla caducidade»

«Tudo se conjuga para que as obrigações tributárias relativas aos anos de 1997, 1998 e 1999 passem largamente incólumes ao crivo da inspecção tributária. Quem cumpriu, perdeu. Quem arriscou, ganhou.»

Manuel Anselmo Torres, Advogado

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Tenho um amigo, fiscalista com muitos anos de experiência e de observação, que desenvolveu a seguinte teoria: de três em três anos surge uma medida administrativa ou legislativa que tem por efeito exonerar do cumprimento de um conjunto grande de obrigações de imposto em atraso.

Trata-se de uma teoria solidamente ancorada na observação de eventos passados. Tomando apenas o último decénio, verificamos que em 1993 o «Plano Catroga» veio «perdoar» impostos e juros aos contribuintes relapsos que jurassem passar a portar-se bem. Três anos volvidos, mas já sob os tons da bandeira rosa, em 1996 o «Plano Mateus» trouxe mais do mesmo. Acrescentava que, esta sim, constituia a última oportunidade de fazer as pazes com o fisco. Mas não haveria de o ser. Outros três anos volvidos, em 1999, passou totalmente despercebida na imprensa e na opinião pública uma lei que ditou a prescrição de todos os chamados «impostos antigos».

Nem mais nem menos do que o conjunto formado pelo imposto profissional, a contribuição industrial, o imposto de mais-valias, a contribuição predial, o imposto complementar e o imposto de transacções. Quem tinha impostos destes por pagar, ainda que objecto de reclamações administrativas ou recursos contenciosos, ficou livre de qualquer obrigação. Não precisou de aderir a plano nenhum, fazer qualquer declaração ou sequer pedir clemência. Ficou logo colocado na mesma situação dos que tinham cumprido. Corrijo, ficou colocado em melhor situação, uma vez que não teve de pagar.

De três em três anos, a pressão sobre a «máquina fiscal», nesta se incluindo a administração tributária e os tribunais tributários, torna-se insuportável. Por falta de eficiência, por falta de produtividade, por falta de meios, por inércia, a máquina fiscal não chega para a encomenda. Como qualquer máquina da qual se exige um esforço superior à sua potência, encrava. Só há duas soluções: aumentar a potência da máquina ou reduzir-lhe o trabalho. Por razões que estão na base de todos os problemas com que o País se debate, a solução encontrada tem sido sempre a segunda.

O carácter científico das teorias depende, porém, não da sua capacidade para explicar o passado, mas da sua aptidão para prever o futuro. Assim, o teste de cientificidade da teoria do meu amigo é precisamente este ano de 2002 em que acabamos de entrar. Completam-se agora três anos sobre o último perdão fiscal.

A primeira coisa que nos ocorre é a mudança de Governo. Um novo Ministro das Finanças de um novo Governo recém legitimado para inciar um novo ciclo de governação chega ao Ministério, pede para ver as contas, conclui que tudo está muito pior do que se pensava e declara que para pôr a máquina de pé, só abrindo uma válvula de escape. É um imperativo nacional. Os critérios de convergência a isso obrigam. Doravante, não mais será tolerada a subtracção fiscal. Para consagrar o início do novo ciclo permite-se excepcionalmente aos que não estão a cumprir que ...

Mas não vamos ter de esperar tanto. A teoria do apagão fiscal trienal já pode reivindicar a sua aplicação em 2002. Com efeito, este é o ano em que coincidem, excepcionalmente, três prazos de caducidade, isto é, três prazos dentro dos quais a administração tributária pode liquidar impostos aos contribuintes, suprindo ou corrigindo as declarações destes.

Primeiro, o conhecido prazo de caducidade de cinco anos, que em 2002 termina para as liquidações referentes ao ano de 1997. Segundo, o novo prazo de caducidade de quatro anos, introduzido em 1998, que termina também em 2002 para as liquidações referentes ao ano de 1998. Finalmente, como a lei reduziu para três anos o prazo de caducidade de liquidações com recurso a métodos indiciários ou a normas anti-abuso, em 2002 termina também o prazo de caducidade para tais liquidações referentes ao ano de 1999. Ao contrário do que está habituada, a administração tributária vai ter de liquidar, em 2002, não sobre um mas sobre três anos fiscais.

Ora, é bem sabido que a administração fiscal trabalha tipicamente com cinco anos de atraso. Ainda no passado mês de Dezembro de 2001, choveram as liquidações de impostos relativos a 1996. Tudo indica que a máquina fiscal não se preparou atempadamente para a redução do prazo de caducidade de cinco para quatro anos, muito menos para três anos. Por outro lado, ninguém acredita que é em 2002 que a administração tributária vai duplicar a sua eficiência. Tanto assim que o ano começa já com os atrasos resultantes de uma «greve» da inspecção tributária externa, por falta de pagamento de ajudas de custo nas deslocações à casa ou sede dos contribuintes inspeccionados.

Como se tudo isto não bastasse, em Julho de 2002 caducam, por força da lei, todas as garantias bancárias prestadas pelos contribuintes há mais de um ano para suspender a execução de dívidas tributárias objecto de reclamação graciosa ou em que haja sido deduzida oposição à execução. Se quiserem evitar a deterioração das estatísticas de desempenho da sua repartição, os chefes de finanças terão de fazer um esforço suplementar para despachar milhares de reclamações graciosas antigas amontoadas pelas secretárias, acabando com a velha tendência para nunca responder sempre que o contribuinte parece ter razão.

Embora o Orçamento do Estado de 2002 contenha já uma autorização legislativa para «alargar, em termos razoáveis, o prazo de prestação da garantia» e «rever as condições de caducidade», é lícito pensar que o novo Governo não chegará a tempo de impedir a caducidade das garantias bancárias acutalmente em vigor.

O ano de 2002 é, assim, um ano de choque para a administração tributária, em que convergem várias e acrescidas limitações temporais à sua actividade. Para assimilar e superar este quadro legal mais exigente, a administração tributária deveria ter-se preparado ao longo dos últimos anos. Tudo indica que não o fez. Como não há milagres, tudo se conjuga para que as obrigações tributárias relativas aos anos de 1997, 1998 e 1999 passem largamente incólumes ao crivo da inspecção tributária. Quem cumpriu, perdeu. Quem arriscou, ganhou. A teoria do meu amigo provou mais uma vez a sua infalibilidade. Até 2005.

Manuel Anselmo Torres

Advogado

«Artigo publicado no Jornal de Negócios - suplemento Negócios & Estratégia»


«Comentário e críticas para negocios&estrategia@negocios.pt»
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