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02 de Maio de 2008 às 13:59

O aborrecimento de Brel

O mês de Maio a aproximar-se a passos largos e dei por mim a pensar que se passam 40 anos sobre Maio de 68. Fiquei nostálgico. É que eu estava lá, meus queridos leitores, pois na altura estudava na Sorbonne. Foi uma época de idealismo, em que eu, jovem es

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Foi também uma época de diferentes visões, em que a mesma coisa era dita de maneiras diferentes por pessoas diferentes. Enquanto dizíamos, entre camaradas de Sciences éco, “cours camarade, le vieux monde est derrière toi”, na parede do metro do Ódeon lia-se “cours, connard, ton patron t’attend.” Donde se conclui que há mais do que uma maneira de falar às massas.

Foi uma época de, visto à distância, alguns excessos, mas que se aceitam porque “l’ennui est contre-revolucionnaire” e, como dizíamos na altura, “nous ne voulons pas d´un monde où la certitude de ne pas mourrir de faim s’échange contre le risque de mourrir d´énnui.” Veio-me à memória a célebre “Marianne de mai 68”, Caroline de Bendern de seu nome, naquela fotografia magistral de Pierre Rey.

Lembrei-me então da sequência de acontecimentos, desde a tomada da Universidade de Nanterre em 22 de Março até ao seu encerramento no dia 2 de Maio, da reunião de solidariedade na Sorbonne, no dia 3, na qual participei, e da marcha de protesto (aliás, proposta por mim) decretada a 6, segunda-feira, pela UNEF e pelo sindicato dos professores, e de toda a sequência de eventos incluindo a “retirada” temporária do General para a Alemanha. Bons tempos! E dei por mim pensando como tudo seria diferente nos dias de hoje e no nosso País. Imaginei assim o Maio de 2008 em Portugal; é esse relato imaginário que agora vos faço.

1 de Maio – para comemorar o dia dos trabalhadores, são decretados feriados 1, 2 e 3 de Maio, podendo, se incluírem o fim de semana, alargar-se a 4 e 5. A oposição considera a medida lesiva do interesse nacional, por não se estender até dia 7.

4 de Maio, domingo – um conhecido comentador político considera a medida justa, pois assim “tem tempo para ler melhor os livros que comenta aos fins-de-semana.”

5  de Maio – os professores aproveitam esta vaga de fundo para salientarem que esta medida carece de ser avaliada. Avançam com uma providência cautelar que não tem eficácia, pois o sistema judicial já tinha entrado em gozo destes novos feriados, em antecipação.

6 de Maio – revoltados com esta injustiça, os professores expulsam os alunos das escolas. São avançados argumentos sociológicos (luta de classes), de saúde (radiações provocadas pelos telemóveis) e económicos (os professores são mais produtivos se não tiverem que aturar os alunos). A única escola onde não há perturbações é a Escola Superior das Penhas Douradas.

7 de Maio – os estudantes, sem o que fazer e privados do seu alvo favorito de contestação, pedem que o Governo tome medidas para reabrir as escolas, pois agora não podem faltar às aulas.

9 de Maio - apanhada de surpresa, a classe política não tem reacção eficaz. Um conhecido líder político, interrogado sobre o que pensa destes movimentos, apenas comenta: “porreiro, pá!”

12 de Maio – a ministra da Educação foge para a Madeira, não sem antes procurar refúgio junto da GNR, no Carmo. Os Açores queixam-se de discriminação.

13 de Maio – Alberto João declara que “não queremos cá cubanas” e deporta a ex-ministra para as Selvagens.

14 de Maio – os sindicatos reclamam contra a precaridade do trabalho e pedem a demissão do Governo, convocando uma marcha. Entretando o Instituto de Conservação da Natureza dá parecer negativo à ida da ex-ministra para as Selvagens.

15 de Maio – a marcha é encabeçada por um grupo de mulheres de militares, que aparecem fardadas de padeiras de Aljubarrota. No meio dela circula um indivíduo vestido de zulu, que abandona a marcha quando esta se dirige à Assembleia da República gritando “eu não sou maluco.”

19 de Maio – os sindicatos, reconhecendo que pedir a demissão do Governo contradiz o combate à precaridade do trabalho, cessam a contestação.

21 de Maio – os alunos suplicam que recomecem as aulas, pois aborrecem-se por falta  de divertimento. Os professores avaliam a contestação e dão-lhe 1. O Governo decreta o final da crise.

22 de Maio, quinta-feira - O País volta à normalidade, fazendo ponte e indo para fim de semana.
E aqui está como acredito que seria o “nosso” Maio de 68, hoje. E se não for assim, será pior. Ou melhor.

Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos se acha que um acontecimento em Portugal como o Maio 68 teria o mesmo impacto, Frederico respondeu: “Sim, durante os primeiros 10 minutos.”

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