Opinião
Novos rumos do sector energético: um desafio para Portugal (2)
No artigo anterior dei nota do quadro evolutivo que tem informado o sector energético, no plano tecnológico, empresarial e político, a nível mundial e, sobretudo, europeu. Ao nível das preocupações/objectivos estratégicos das políticas energéticas na Euro
No artigo anterior dei nota do quadro evolutivo que tem informado o sector energético, no plano tecnológico, empresarial e político, a nível mundial e, sobretudo, europeu. Ao nível das preocupações/objectivos estratégicos das políticas energéticas na Europa, há muito que é claro a existência de três itens:
- segurança estratégica no abastecimento e mitigação da vulnerabilidade europeia face aos combustíveis fósseis, esmagadora e crescentemente importados;
- garantia de que a incontornável energia não se torna factor de desvantagem competitiva da União Europeia face, nomeadamente, à América do Norte e Japão/Coreia/Taiwan;
- a indissociável articulação energia/ambiente, nem sempre fácil de compatibilizar com as preocupações referentes no item anterior.
O peso relativo e a ênfase que é dada, ao longo do tempo, a cada um destes três objectivos, variam com a "conjuntura" geo estratégica e política.
Contudo, a preocupação com a segurança no abastecimento é uma constante desde os choques petrolíferos dos anos 70, a preocupação ambiental instalou-se nos anos 80 – com as chuvas ácidas, derrames petrolíferos e problemas como o nuclear – enquanto que a eficiência e competitividade ganhou o foral nos anos 90.
Estes três objectivos estratégicos estão inscritos na política energética portuguesa desde o início da década de 80, quando o Professor Veiga Simão era Ministro da Indústria.
Foram e são objectivos evidentes, tendo ainda em conta que Portugal "vem de trás" em todos os indicadores que dão corpo àqueles objectivos: é mais dependente de energia importada, do petróleo e das energias fósseis, em geral, do que a média europeia; manteve até mais tarde os monopólios na electricidade e no gás natural (por ser emergente) e posição dominante da GALP, o que não proporcionou o desenvolvimento de uma cultura virada para o cliente e para o mercado; tem uma maior intensidade energética no produto, é uma economia mais "carbonizada" e sujeita às pressões do crescimento das emissões de gases com efeito estufa, do que a média europeia, confortavelmente já "instalada" em patamares elevados de emissão/per capita.
Os grandes números relativos ao que refiro falam por si:
- esforço contínuo na mitigação da dependência externa em energia primária (Portugal 85%; média da EU 55%);
- esforço contínuo na diminuição do peso de petróleo no balanço energético (Portugal 70%; média da EU 42%);
- esforço contínuo na utilização racional no uso da energia, para diminuir a intensidade energética do produto (cerca de mais de 30% em Portugal do que a média da EU);
- esforço contínuo na diminuição da "intensidade de emissões" claramente superior à média da EU.
Sendo assim, não existe espaço para discussão sobre os objectivos estratégicos que devem mover a política energética nacional.
Na realidade, a alternância dos partidos no poder e, sobretudo, das personalidades politicamente responsáveis pelo sector, "apenas" introduzem um "estilo" na forma como são prosseguidos aqueles objectivos estratégicos.
Não dispondo, obviamente, de espaço para detalhar a análise da evolução recente da política energética em Portugal, resta salientar os traços principais do que vem sendo feito e do que falta fazer.
Claramente que o actual Governo vem dando ênfase ao segundo item da estratégia europeia e nacional: o criar condições para a liberalização e incremento da compatibilidade do sector energético em Portugal – que não quer dizer nacional?
Este tema, só por si, justifica um artigo focado, entre outros aspectos, na forma como o processo do MIBEL vem sendo conduzido, a postura do Governo face ao Regulador, a gestão das derrogações no gás natural, a liberalização do preço dos combustíveis líquidos derivados do petróleo, o processo de repartição de activos e competências entre a GALP, EDP e REN, mais recentemente, o processo de escolha do "parceiro estratégico" para a GALP, em substituição da ENI.
"Restam" os vectores ambiental e da segurança no aprovisionamento.
Neste âmbito os dois últimos Governos deram nota de preocupação, se olharmos os documentos publicados.
A última equipa económica do Governo do Partido Socialista publicou o Programa E-4, com uma clara e sólida referência estratégica no domínio das metas para a promoção das energias endógenas e renováveis, embora mais vago na matéria (crítica) da promoção da eficiência energética.
A equipa actual, na RCM 63/2003 retoma aspectos essenciais do E-4, sem aprofundar soluções e medidas para a má "produtividade energética" do País.
Mas, independentemente dos textos oficiais publicados em Diário da República, interessa avaliar a "praxis".
É aqui que estamos perante um manifesto desconforto, se olharmos os objectivos anunciados, as metas das directivas europeias, as práticas com a referência comparativa da Espanha e o teor da avaliação da Comissão Europeia e Agência Internacional de Energia.
No comunicado da Comissão ao Conselho e Parlamento Europeu sobre as energias renováveis na Europa, datado de 25 de Maio, Portugal e a Grécia, são os únicos países apontados como não cumpridores dos objectivos definidos.
A Dinamarca, Espanha, Alemanha e Finlândia são os bons alunos.
Portugal é duplamente penalizado por não resolver os problemas relativos às "barreiras" administrativas e de disponibilização das redes aos operadores privados.
O Relatório da Agência Internacional de Energia, relativo ao "exame" à política energética nacional, acentua o tom vermelho à política de eficiência energética e dá-nos o benefício da dúvida relativamente à liberalização do mercado energético.
Do lado de Espanha – com quem vamos conviver intimamente no MIBEL, proximamente no mercado "directo" do gás natural e nos derivados do petróleo, sem falar nos parâmetros "mercado de emissões" e regime para as fontes de energia renováveis – confrontamo-nos com uma política consequente e determinada de promoção das fontes renováveis – líderes europeus – na aplicação da "Estratégia de Poupança e Eficiência Energética em Espanha 2004 - 2021" e, agora com o novo Governo, no cumprimento da directiva "mercado de emissões".
Basta lembrar que estamos confrontados com um conjunto de directivas europeias, onde apenas destaco:
- duplicação do contributo das energias renováveis na electricidade consumida, o que implica que 39% deva ter aquela origem em 2010;
- necessidade de incluir gradualmente os bio combustíveis, álcoois e bio diesel, no mercado, começando por 2% em 2005 (700 milhões de barris/ano, face ao consumo EUR15);
- necessidade de preparar o cumprimento das metas impostas pela directiva do comércio de emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito estufa.
Como referia no artigo anterior, no contexto das alternativas tecnológicas, da gestão sectorial e de especial pressão ambiental, temos de tomar consciência que "as coisas" tem de mudar no nosso País e que o novo paradigma energético até encerra aspectos benéficos para o nosso tradicional débil "perfil" energético.
Para podermos colher tais vantagens há, contudo, que mudar de atitude do "deixar andar", para uma actuação determinada, consequente e pragmática:
- Portugal, com elevado potencial em fontes de energia renováveis – solar, eólica, bio massa e mar motrizes – "põe" pouco mais que nada na I&D nestes domínios. A pequena Dinamarca exporta dois mil milhões de Euros por ano em geradores eólicos;
- Portugal, carro vassoura da EU em termos de eficiência no uso da energia que importamos em 90% e pagamos ao preço que nos impõem – opta por dar o sinal simpático aos consumidores de que o preço dos combustíveis e da electricidade tendem a baixar (?!);
- Portugal – os consumidores portugueses – que produz zero de petróleo, passou incólume à duplicação dos preços do petróleo ocorridos no "éden" socialista;
- Portugal, que tem rede de portos e caminhos-de-ferro sub-utilizados, que tem bichas diárias de veículos particulares nos centros urbanos a 95% transportando um ocupante, tem das menores fiscalidades a incidirem sobre os derivados do petróleo, teme aumentar as portagens nas estradas e não fazer pagar o parqueamento de veículos nas cidades.
Muitas outras normas europeias – comportamento energético dos edifícios, qualidade dos combustíveis (auto-oil), etc. – obrigam a profundas mudanças.
Os valores em jogo são colossais.
Só uma componente do investimento em renováveis, para cumprir a directiva da duplicação do seu contributo para a electricidade consumida, concretamente na energia eólica, as empresas vão investir 5 mil milhões de Euros.
Cada tonelada de CO2 virá a ser cotada entre os 15 e os 30 Euros. A não inversão da tendência actual em Portugal, obrigará as empresas e o país a despenderem centenas de milhões de Euros na aquisição de direitos para ? sujar.
A produção de bio combustíveis em Portugal – regadio do Alqueva, por exemplo – permitirá injectar na economia rural de regiões deprimidas centenas de milhões de Euros, em contraponto à compra de barris de petróleo importados.
Atenção que (já) não se trata de conjecturas apologéticas de "ambientalistas" românticos mas sim de normas europeias imperativas, com contraponto de penalidades para os não cumpridores.
Aqui retiro como conclusão que temos boas oportunidades se quisermos trabalhar séria e pragmaticamente.
A gradual ruptura com o anterior paradigma obriga a começar de novo. Todos voltam ao "ponto de partida" e tem de se reposicionar.
As infra-estruturas das fieiras energéticas clássicas dos países mais desenvolvidos da Europa são melhores e mais eficientes do que as nossas.
Agora, voltamos à meta de partida e todos vão ter de arrancar com a produção de bio combustíveis, instalação de aerogeradores, olhar as emissões de dióxido de carbono.
Tal como nas telecomunicações "beneficiámos" do atraso do país, passando quase directamente da primeira para a terceira geração de tecnologia, também agora na energia podemos queimar algumas etapas, no virar para combustíveis e tecnologias que são "mais" iguais para todos, menos marcadas pelos efeitos de escala e recorrendo ao uso de recursos primários que detemos no nosso território.
Em suma, curiosamente as opções políticas e a evolução tecnológica no sector energia/ambiente, vão no sentido de podermos mitigar a nossa vulnerabilidade atávica em matéria energética.
Assim haja visão, ousadia e vontade de poderes públicos para "agarrar o momento", já que as empresas do sector privado parecem bastante motivadas.