Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
15 de Julho de 2011 às 13:04

Nós e a "Dividocracia"

Ciclicamente, Portugal eleva-se num assomo de paixão: das manifestações a favor das gravuras de Foz Côa, ao desagrado com a ocupação ilegal e bárbara de Timor Leste pelo império indonésio em 1999, do Euro 2004 à reacção à posição oficial da Finlândia acerca da ajuda externa a Portugal, até à muito humorada e criativa recente onda de protesto informático contra a agência Moody"s, "nós" reagimos.

  • 2
  • ...
Por norma, e quem sabe por herança genética condicionada por muitos séculos de "resistência a Castela", "nós" descobrimos mais uma Aljubarrota de quando em quando, batalha para a qual a mobilização será tão mais eficaz quanto maior for o inimigo, e quase sempre unânime, se este for externo.

É parvo desvalorizar tal mobilização, cruel, mesmo - a indignação é um direito e, às vezes, tal é a obscenidade da ofensa, um dever; mas melhor ainda é perceber que muitas décadas de vampirização do nosso carácter e determinação pelos "media" e políticos em nome do que "é popular" não nos desviaram do essencial: o carácter não está vendido, pois nunca foi colocado no "mercado".

Isto é, estamos intactos na nossa capacidade de sobrevivência cívica - um milagre, talvez mesmo o nosso mais bem guardado segredo.

Tomar conhecimento do encerramento do jornal britânico "News of The World" ao fim de décadas de escutas ilegais e pérfida invasão de privacidade de figuras públicas só porque há quem compre jornais e escândalos assim (outra vez "o mercado"), ou saber que Manuel Maria Carrilho - o único político português até hoje com coragem para, em seu prejuízo óbvio, abrir guerra na frente da promiscuidade entre as agências de comunicação e a fabricação disseminada do preconceito mediático - foi ilibado do processo que a agência Cunha Vaz & Associados lhe moveu em tribunal na sequência da publicação do seu livro "Sob o Signo da Verdade", são factos de dimensão absolutamente distinta, mas com um mesmo efeito regenerador.

Na mitologia ocidental, a abertura da Caixa de Pandora traz o perigo da desilusão; neste momento da História, qualquer desilusão - mesmo que ela implique a perca de uma inocência lusitana que teima em subsistir bem depois da maioridade democrática -

é preferível ao logro. O logro tem sido o da profecia auto-realizada da popularidade como garante de legitimidade do poder. Abra-se a caixa.

"Nós" devemos dinheiro. Na Grécia, onde tudo começou, Democracia incluída, alguém se deu ao trabalho de ultrapassar os "media" tradicionais e abandonar a alegoria da caverna em que todo o debate sobre as limitações do modelo Europeu se transformou, às mãos dos mesmos "media" - sabemos, entretanto, que esse debate é Pan-Europeu. Assim nasceu - exclusivamente financiado por doações particulares - "Debtocracy", um filme-documentário da autoria de Katerina Kitidi e Aris Chatzistefanou, sustentado pelo trabalho de investigação do jornalista Leonidas Vatikiotis.

A obra visita em preâmbulo o tumulto político que há uns anos atrás levou o Estado do Equador a declarar a sua dívida ao Banco Mundial como ilegal, por ter sido contraída através de meios corruptos e promíscuos, extrapolando daí para os negócios entre Governos e Consultoras na Grécia e na Europa, iluminando os corredores de um Poder que decide comprar o que não pode pagar para depois, com a tal austeridade, cobrar a factura.

Amartya Sen, Nobel da Economia em 2004, alertava há umas semanas atrás no britânico "The Guardian" para a violência que é ver a autodeterminação dos Estados Europeus subjugada pelo papel ultravalorizado das agências de "rating" e instituições financeiras; "Debtocracy" vai mais longe e postula o evidente: não foram os cidadãos, que agora são privados dos seus direitos essenciais - emprego, saúde, educação, segurança – que mandataram os Governos para os exageros escandalosos das inexplicáveis compras de armamento (por exemplo) e, portanto, a legitimidade da própria dívida é pertinente, sobretudo quando os consultores financeiros desses negócios estão realmente muito mais próximos do vendedor do que do comprador, isto é, "nós".

É fácil apelar ao sacrifício colectivo quando se fomenta o desastre através de políticas no limiar da autocracia. "Debtocracy" é um filme que "nós" não podemos perder. Gratuito em www.debtocracy.gr.

Ver comentários
Saber mais Opinião Nicolau do Vale Pais
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio