Opinião
"O Governo de Costa, ao fim de 4 anos, está pior que o cavaquismo ao fim de 8 anos"
As habituais notas da semana de Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC. O comentador fala sobre o coronavírus, o aeroporto no Montijo, o chumbo a Vitalino Canas para o Tribunal Constitucional e a arrogância do Governo. Também os resultados do Novo Banco são abordados.
O CORONAVÍRUS
Três palavras:
- Precipitação – A Directora Geral da Saúde tem feito globalmente um bom trabalho. Mas foi precipitada ao falar ao Expresso no cenário de 1 milhão de infectados em Portugal. Primeiro, porque divulgar números tão exagerados pode levar a uma atitude alarmista. Ora, a sua função é informar e alertar, não é causar pânico e medo. Depois, porque ainda por cima estes números não são credíveis – um milhão de infectados não existe sequer no mundo inteiro. E, finalmente, porque uma decisora é uma decisora. Não é uma comentadora.
- Prudência – Nesta matéria, já há histeria a mais. Por nós, devemos evitar o pânico e praticar a prudência. Nem desvalorizar nem dramatizar. Como disse um médico italiano, "o medo é um vírus e a informação é a vacina".
- O medo paralisa, condiciona e não resolve problema nenhum.
- A informação é a vacina – sabemos que há um risco, sabemos o que fazer, sabemos quais as precauções a tomar. Fora isso, temos de confiar nas instituições de saúde e fazer, com toda a cautela, a nossa vida normal.
- Preocupação – E forte, quanto ao futuro da economia. Vamos ter um abrandamento inevitável da economia mundial e europeia. Isso vê-se pela perturbação nas bolsas, no turismo, no consumo e nas exportações. E no risco de as economias italiana, alemã e francesa entrarem em recessão. O problema é sério. Mas também aqui há ainda uma grande dose de incerteza. Ninguém sabe a dimensão do problema económico. O próprio FMI e o Banco Mundial só em Abril esperam ter previsões minimamente rigorosas. Não nos devemos precipitar.
O CHUMBO DE VITALINO CANAS
- A AR andou bem ao chumbar o nome de Vitalino Canas. Fez o que lhe competia e prestou um bom serviço à democracia.
- O PS andou sempre mal neste processo – antes, durante e depois da votação.
- Andou mal antes ao escolher Vitalino Canas. Vitalino Canas é sobretudo um político. E o lugar de um político é na AR ou no Governo. Não é no TC. Acresce que a sua ligação a Sócrates e a cargos relevantes no PS retiram-lhe independência para a função e a dimensão ética que o cargo de juiz exige.
- Andou mal durante o processo. Perante a contestação à escolha de Vitalino Canas, o PS devia ter tido a lucidez de mudar de candidato. E o próprio bem podia ter tido o bom senso de retirar a sua candidatura. A obsessão e a cegueira não são bons conselheiros.
- Finalmente, o PS andou mal depois da votação. As declarações de Ana Catarina Mendes, ao acusar os deputados de bloquearem as instituições, são absolutamente lamentáveis. Convinha recordar a Ana Catarina Mendes duas coisas: primeiro, que o PS não tem maioria absoluta; não é o dono disto tudo. Depois, que o caminho a seguir nestas matérias é o caminho da humildade e do diálogo, não o caminho da arrogância e do facto consumado.
- Resta agora ao PS arrepiar caminho. Retirar o nome de Vitalino Canas, dialogar com os demais partidos e apresentar nomes credíveis. Até para que "o justo não pague pelo pecador". É que com tudo isto Correia de Campos foi na enxurrada e acabou também chumbado. É um bom Presidente do CES e merece ser reconduzido.
O AEROPORTO DE MONTIJO
- Tudo o que está a suceder é uma completa loucura.
- Primeiro, é a loucura nacional o que sempre se passa com as grandes obras públicas. No princípio, quando se lançam as obras, há sempre grande contestação. No final, passa-se da contestação ao aplauso. Foi assim com o CCB, com a Ponte Vasco da Gama, com o Túnel do Marquês. Agora, toda a gente adora estas obras que antes contestou. Nunca aprendemos com o passado!
- Segundo, é a loucura de passar a vida a pôr tudo em causa. O novo aeroporto é mais do que urgente. O turismo que o diga. A solução Portela + 1 está decidida desde 2015. No Governo Passos Coelho houve um grupo de trabalho que estudou quatro hipóteses possíveis (Beja, Sintra, Alverca e Montijo) e concluiu que a melhor solução era o Montijo. A hipótese Alcochete foi posta de lado há anos porque é muito mais cara e tem tantos ou mais problemas ambientais que o Montijo. Em função disto vamos voltar à estaca zero?
- Terceiro, é a loucura do Governo – na prática em funções há mais de 4 anos – que só agora descobriu que há uma lei que pode bloquear a construção do aeroporto. Por que é que o Governo não pensou nisto antes? Por que é que não acautelou a situação? Por que é que não negociou atempadamente com os autarcas?
- Agora, só resta ao Governo um caminho – deixar-se de arrogâncias, dialogar com os municípios que contestam o Montijo e negociar medidas compensatórias dos seus problemas.
- Se, no final, algum município se mantiver intransigente, fazendo braço de ferro, então, sim, fará sentido mudar a lei. O interesse nacional não pode ficar refém de uma teimosia local. Nessa altura não tenho dúvidas de que o PSD apoiará a solução. Até porque, quanto à solução Montijo, o PSD foi o autor da ideia. Logo, tem responsabilidades acrescidas.
QUATRO MESES DE GOVERNO
- O Governo completou esta semana 4 meses de vida. E as coisas não correm bem. O Governo está a desgastar-se a um ritmo impressionante. O PM e o núcleo político do Governo deviam parar para pensar. E deviam mudar de vida.
- Há sobretudo dois problemas:
- Primeiro problema: o risco da ingovernabilidade. A situação que existe não é sustentável. O PS tem mais votos e mais deputados, mas não tem uma maioria para governar. Fica amiúde bloqueado. Como se viu no OE, no IVA da energia, na polémica do aeroporto, nas eleições de vários cargos no Parlamento.
- O Governo vai ter de partilhar poder. É o que sucede a quem não tem maioria. Vai ter de arranjar uma solução que lhe garanta apoio maioritário no Parlamento – ou uma solução à direita ou uma solução à esquerda. Uma coligação, formal ou informal. Isto é vital para conseguir governar. Se mantiver tudo como está, acaba mal. Mais do que um pântano, tudo isto acaba no CAOS.
- Segundo problema: arrogância. O Governo comporta-se com uma arrogância brutal. É pior do que se tivesse maioria absoluta. Age como se, politicamente, fosse "o dono disto tudo".
- É arrogância na relação com os ex-parceiros do BE e PCP. É arrogância na forma como trata o PSD. É arrogância com a UGT, com o Tribunal de Contas, com a ANACOM, com o Conselho de Finanças Públicas. Todos são forças de bloqueio.
- Em matéria de arrogância, o Governo de António Costa, ao fim de 4 anos, está pior que o cavaquismo ao fim de oito anos. Um desastre. Ou o Governo muda de comportamento ou isto acaba mal. Em política, a arrogância mata.
- O PS perdeu nas eleições, por culpa própria, uma oportunidade histórica de ter uma maioria. Agora, vai ter de adaptar-se a esta nova realidade. Até por uma razão adicional. Se houver uma crise política é impossível ao PS obter uma maioria. A tendência no futuro é para baixar de votação, não para subir.
JUSTIÇA SOB SUSPEITA
- O Tribunal da Relação de Lisboa não para de nos surpreender. Relativamente à semana passada, temos esta semana dois factos novos e graves:
- Primeiro facto: o anterior Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Vaz das Neves, passou de suspeito a arguido. É indiciado de manipulação na distribuição de processos no Tribunal. Grave!
- Segundo facto: o actual Presidente do Tribunal, Orlando Nascimento, é, segundo o Expresso e Público, suspeito de ter participado nesta manipulação. Ou seja, anterior e actual presidentes combinaram a distribuição de um determinado processo a um determinado Juiz. Isto é muito grave. É uma suspeita de corrupção. É que se combinaram uma determinada distribuição é porque tinham interesse num determinado resultado.
- Em função disto, é preciso dizer duas coisas:
- O actual Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa tem de se demitir. Se não desmentir com factos a suspeição criada, tem que sair. E rapidamente. Não pode ser Presidente do Tribunal alguém que não lidera pelo exemplo. E quem participa na manipulação da distribuição de processos não é seguramente um bom exemplo.
- É urgente que o Conselho Superior da Magistratura divulgue toda a verdade sobre estas situações. Neste e noutros Tribunais. A transparência é essencial. A justiça não pode viver com estas suspeitas. Suspeitas de corrupção é do pior que pode suceder à justiça portuguesa.
NOVO BANCO
Em matéria de Novo Banco, seguindo a novela já conhecida, temos três factos:
- Primeiro, um facto péssimo mas totalmente previsível – o Novo Banco, na parte herdada do antigo BES, continuou a dar em 2019 enormes prejuízos. Mais um encargo para o Fundo de Resolução e mais um empréstimo do Estado. Tudo como dantes, quartel general em Abrantes!
- Segundo, um facto mau mas também inevitável – o Novo Banco está prestes a consumir quase 3 mil milhões da "almofada" de quase 4 mil milhões que estava prevista aquando da sua venda. A má notícia é que daqui a um ano ainda vai consumir mais. Pensar que alguma vez o Novo Banco não ia consumir a totalidade – ou a quase totalidade – da "almofada" financeira que estava prevista é do domínio da ficção científica. Os donos da Lone Star têm fama de muita coisa – mas não a fama de serem ingénuos ou parvos!
- Terceiro, um facto positivo e esperançoso – o pesadelo do Novo Banco está prestes a terminar. Este é o primeiro ano em que, na sua gestão operacional corrente – ou seja, retirado o legado do BES – o NB deu lucro com algum significado (ligeiramente acima de 170 milhões). Em 2018 foi um lucro irrisório. E, segundo as palavras do seu presidente ao Expresso, vai continuar a ter resultados positivos no futuro. Parabéns à Administração do Banco. Esta é a prova de que enquanto há vida há esperança!