Opinião
Crises económicas, financeiras e políticas em França e Alemanha parecem "tempestade perfeita"
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala sobre a crise em França e na Alemanha, o julgamento de José Sócrates, os 100 anos de Mário Soares, entre outros temas.
A REABERTURA DE NOTRE DAME
- Na mesma semana, a França consegue ser notícia pelo pior e pelo melhor. Pelo pior, a notícia de mais uma crise política, na sequência da queda do governo Barnier. Pelo melhor, a reabertura de Notre-Dame, depois do brutal incêndio de 2019. No meio está sempre Macron – o Presidente que indiretamente está na base desta crise; e o Presidente que há cinco anos mobilizou o mundo para a reconstrução da Catedral.
- A reabertura de Notre-Dame representa duas coisas ao mesmo tempo:
- Primeiro, é um grande momento cultural e religioso para a França e para todo o mundo. Notre-Dame é um grande local de culto para todos os católicos. Mas é também um símbolo cultural para os não católicos. À escala global. Por isso, o incêndio de 2019 foi um choque brutal para todos. Por isso, a subscrição popular para a reconstrução foi absolutamente notável: 340 mil doadores e quase 900 milhões de euros de contribuições, vindas de dezenas de nacionalidades. Por isso também a reabertura da Catedral não deixou ninguém indiferente. Foi um caso de sucesso.
- Segundo, é um acontecimento político de monta e não apenas um acontecimento cultural e religioso. Primeiro, porque é um raro momento de união entre os franceses: em anos de forte polarização política, os franceses uniram-se para a recuperação da sua Catedral. Depois, porque é um momento de reforço do prestígio da França no mundo. A verdade é que 50 chefes de Estado estiveram na reabertura da Catedral. E, finalmente, porque o Presidente Macron está a aproveitar a oportunidade para refazer a sua imagem. A "cimeira" com Trump e Zelensky é um bom exemplo desse esforço presidencial.
CRISES EM FRANÇA E NA ALEMANHA
- O que se está a passar em França e na Alemanha parece a tempestade perfeita: crises económicas, crises financeiras e crises políticas.
- A Alemanha, motor da economia europeia, está estagnada. São cinco trimestres consecutivos com crescimentos negativos do PIB, em termos homólogos. E uma queda de 10% da produção industrial num só ano. Tudo, no essencial, porque a Alemanha deixou de ter energia barata vinda da Rússia. Como se não chegasse a crise económica, abriu-se também uma crise política, com eleições antecipadas no início do próximo ano.
- A França é um caso ainda mais sério. Tem a terceira maior dívida da União Europeia (UE); tem um défice de cerca de 6%; tem um crescimento económico medíocre (previsão de 0,8% em 2025); e os juros da sua dívida já estão praticamente ao nível dos da Grécia, o que há poucos anos era impensável. Como se tudo isto não chegasse, caiu o governo e entrou também em crise política.
- Tudo isto é motivo de preocupação. Para a UE, porque a sua coesão é minada. Para Portugal, porque a França e a Alemanha são dois dos maiores destinos das nossas exportações.
- Esta é uma semana surpreendente, sobretudo por causa da Síria.
- Primeiro, a queda do regime. Uma boa noticia. Falamos de um regime brutal, sanguinário e prepotente, que fez milhares de mortos e refugiados.
- Segundo, este golpe é relativamente surpreendente pela rapidez do sucesso. A intervenção que hoje depôs Assad tem basicamente uma semana de atuação.
- Terceiro, tudo isto é uma derrota da Rússia e do Irão. Ambos estão hoje enfraquecidos, A Rússia por causa da guerra na Ucrânia. O Irão por causa dos ataques de Israel.
- Finalmente, há que ter muita cautela em relação ao futuro. Ainda ninguém sabe quem manda, quem controla a situação e como vai ser o futuro. Vamos ou não ter um novo extremismo? Há um grande clima de incerteza.
CRÉDITO À HABITAÇÃO
- Num tempo em que escasseiam as boas notícias, o crédito à habitação é uma boa exceção.
- Primeiro, porque a taxa Euribor já está abaixo dos 3%, desde o passado mês de novembro. No espaço de um ano, teve uma redução superior a 1 ponto percentual (p.p.). É significativo.
- Segundo, porque, segundo o Banco de Portugal, esta redução pode aprofundar-se e chegar aos 2% até ao final de 2025. Se tal acontecer será uma boa notícia para milhares de famílias portuguesas.
- Em consequência, o ritmo de redução das prestações mensais ao Banco já é expressivo. Em especial nas taxas Euribor a 6 e 12 meses, as mais utilizadas no crédito á habitação. Assim, usando o exemplo de um empréstimo de 150 mil euros, a redução da prestação no segmento da Euribor a 12 meses já é superior a 130 euros por mês e na Euribor a seis meses aproxima-se dos 100 euros mensais. São reduções que já têm um impacto relevante nos orçamentos familiares. E que muito provavelmente irão prosseguir nos próximos meses.
SÓCRATES EM JULGAMENTO
- Finalmente, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que José Sócrates vai mesmo a julgamento. Já não era sem tempo: passaram 11 anos sobre o início desta investigação. Por que é que se demorou tanto tempo?
- Primeiro, porque o processo é complexo. É mais um megaprocesso.
- Segundo, porque José Sócrates tem abusado de recursos, reclamações e manobras dilatórias para evitar ser julgado e até para beneficiar de prescrições.
- Terceiro, porque as nossas leis processuais parecem mostrar que continua a haver uma justiça para ricos e outra para pobres. Ricos e poderosos têm meios financeiros para usarem e abusarem dos mecanismos dilatórios. É uma situação legal, mas é profundamente imoral.
- Disse na semana passada que o futuro Presidente da República (PR), qualquer que ele seja, tem de ser um construtor de pontes, aproximando posições entre os partidos para fazer mudanças. Perguntaram-me esta semana: mas em que áreas? Pois bem. Aqui está um exemplo: justiça e combate à corrupção.
- O futuro PR tem de ajudar a construir pontes com vista a um combate mais firme e rápido à corrupção. A corrupção mina a democracia. Deve ser combatida com firmeza e rapidez. Nas investigações e nos julgamentos. Mas isto não se faz sem um acordo alargado.
- Há um problema de leis desajustadas? Mudem-se as leis. É preciso um acordo alargado? Promova-se. O que não pode haver é uma justiça tão lenta e suspeitas de corrupção que se eternizam no tempo. Minam a confiança das pessoas.
100 ANOS DE MÁRIO SOARES
- Como sucede com qualquer figura pública, também Mário Soares não agrada a todos. À direita e à esquerda. À direita, por causa das acusações sobre a descolonização. À esquerda, por causa do seu combate político no 25 de novembro. Mas tem um enorme significado o facto de, na celebração do centenário do seu nascimento, mesmo muitos dos seus adversários lhe terem prestado pública homenagem.
- Há uma razão que explica tudo: Mário Soares foi provavelmente a figura política mais marcante do século XX português. Cometeu erros, mas, do ponto de vista estratégico, esteve sempre do lado certo da história.
- Primeiro, na luta pela liberdade e democracia. Esteve sempre do lado certo. Antes do 25 de Abril, contra o Estado Novo. Depois do 25 de Abril, contra o PCP e a extrema-esquerda. Num momento e noutro, a luta era a mesma – defender a liberdade e a democracia.
- Defesa de Portugal na Europa. Soares foi pioneiro na defesa da integração europeia de Portugal. Hoje, isto parece óbvio. Sem a Europa não temos futuro. Mas, nos anos 70 e 80 do século passado, havia muita gente que discordava, que tinha medo de que a então CEE "engolisse" Portugal, que tinha teorias "terceiro mundistas", que preferia um contrato de associação com a CEE em vez de uma adesão plena. Mas Soares não hesitou, liderou sempre esta causa e teve sentido visionário.
- Finalmente, para além de um homem de causas, era um homem corajoso. Coragem física e política. Coragem que fez a diferença em momentos capitais. Daí a justiça da homenagem. Por parte de apoiantes e adversários. Vale a pena ler algumas biografias sobre Soares. Percebe-se melhor o cidadão e o político.
SAPADORES BOMBEIROS
- Às vezes "no melhor pano cai a nódoa". Os Bombeiros, sejam voluntários ou sapadores, são exemplo notável de generosidade, espírito de sacrifício e profissionalismo. Mas esta semana alguns deles deram um péssimo exemplo ao país com a manifestação ilegal que fizeram junto à Sede do Governo.
- Não está em causa a justiça das suas pretensões. Os Bombeiros Sapadores ganham mal e merecem que a sua situação seja corrigida. Por isso mesmo, têm estado em negociações com o Governo. Também não está em causa o direito que têm à manifestação.
- O que está em causa é o que fizeram: uma manifestação ilegal, desordeira e violenta, até usando petardos. Pareciam verdadeiros delinquentes e hooligans ao nível do pior de algumas claques de futebol.
- Isto não é nem aceitável nem tolerável. Quem se considera "soldado da paz" não pode agir desta forma. Não foram todos os Bombeiros. Mas os que assim atuaram mancharam a imagem de toda a classe.
- O Governo, perante isto, suspendeu as negociações. Fez bem. E só deve voltar a negociar quando houver garantias de outro comportamento. Não se pode negociar sob coação e sob violência. A democracia tem regras. E a regra do vale-tudo não é uma regra da democracia. Ou as instituições têm autoridade e se dão ao respeito ou entramos no caos.