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26 de Março de 2009 às 12:00

Mais Estado exige mais independência

Num momento em que a crise obriga o Estado a alargar a sua intervenção, é importante expandir o número de cargos de nomeação extra-governamental. O impasse na designação do novo provedor de Justiça mostra que isso, sendo...

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Num momento em que a crise obriga o Estado a alargar a sua intervenção, é importante expandir o número de cargos de nomeação extra-governamental. O impasse na designação do novo provedor de Justiça mostra que isso, sendo desejável, é também difícil de conseguir sem partidos responsáveis. É fundamental que a transferência de mais poder para o Estado não corresponda a uma maior governamentalização e partidarização da sociedade.

A actual crise está a levar, em todo o mundo, à necessidade de um aumento inesperado e indesejado do papel do Estado em áreas onde, até há pouco tempo, havia consenso de que os governos não deviam entrar. Nos países mais insuspeitos, como os EUA ou o Reino Unido, o Estado entrou no capital de bancos, seguradoras e empresas financeiras, e está hoje a dar apoios directos e empréstimos a empresas industriais, como por exemplo do sector automóvel.
A intervenção do Estado na economia tornou-se simultaneamente mais ampla e menos clara. O Estado em Portugal detém o capital da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Concorde-se ou não, isso era claro. Hoje não é claro, nem transparente. O Estado continua a ter a CGD, mas controla também indirectamente o BPN e o BCP, para onde transitou parte do anterior conselho de administração do banco estatal, que participou no financiamento de accionistas que estiveram envolvidos na luta de poder dentro da instituição. Na prática, o Estado tem influência sobre cerca de 60% da banca nacional. E os restantes bancos estão dependentes de aval do Estado.

O poder público estende-se igualmente a outros sectores, onde muitas empresas dependem do Estado para a obtenção de linhas de crédito, de subsídios, de licenças, de aprovações ou decisões de reguladores que podem determinar a prazo lucros ou prejuízos, e sucesso ou falhanço de uma OPA.

Nenhum destes problemas é novo. Mas a crise agravou-os. Hoje, as decisões dos reguladores, a atribuição de um subsídio, ou de um aval que permita o acesso ao crédito, poderão ser a diferença entre sobreviver ou morrer com a crise. Situação que coloca grande número de empresas reféns de decisões de entidades públicas.

É importante perguntar: Como lidar com esta situação enquanto a crise durar? E qual é o plano de saída? O plano de saída devia ser um dos mais importantes temas de discussão na agenda de hoje. Os partidos que se propõem governar na próxima legislatura devem deixar claro o que se propõe fazer. Isto é, com que calendário e dependente de que condições vão vender as participações do Tesouro no BPN, e sair do BCP. Até quando e em que condições se continuarão a justificar os subsídios e apoios ao crédito a empresas. Em que condições e quando é que estes apoio devem começar a ser devolvidos pelas empresas que a prazo os consigam pagar.

E como lidar com a actual situação de maior intervenção do Estado? A melhor resposta deverá ser aumentar a transparência e a independência das instituições públicas. Se há mais intervenção é preciso haver mais informação, maior controlo e mais avaliação. Deve ser claro quem é apoiado e de acordo com que critérios, porque é que o Estado entra numa instituição, o que está lá a fazer, e até quando. É preciso mais transparência. É necessário que exista um compromisso em cada um dos casos e uma avaliação independente dos resultados e da estratégia que se está a prosseguir.

Por outro lado, é também necessária maior independência. É fundamental que a transferência de mais e maior poder para o Estado não corresponda a uma maior governamentalização e partidarização da sociedade. Neste contexto é necessário reforçar e ampliar o número de entidades de nomeação extra-governamental. Essa seria uma reforma importante para o futuro.

O PS, hoje no poder, devia aproveitar a oportunidade para demonstrar responsabilidade e abertura. Seria um sinal muito positivo propor que um conjunto mais alargado de entidades fosse de nomeação parlamentar ou presidencial (por exemplo a partir de nomes propostos pela Assembleia da República). Entre elas deveriam estar as autoridades reguladoras: Autoridade da Concorrência, ERC (Comunicação Social), a ANACOM (telecomunicações), a ERSE (energia), a CMVM (mercado de capitais), o Banco Portugal. Mas também outras, como a Fundação para a Ciência e Tecnologia ou as entidades que avaliam a atribuição de fundos comunitários e de apoios a empresas (como por exemplo no capital de risco), ou ainda das empresas detidas pelo Estado (como a CGD).

O PSD deveria fazer deste assunto um dos seus temas de campanha. Era importante ouvir a liderança do maior partido da oposição assumir posições fortes neste campo, comprometendo-se com alterações na forma de nomeação destas e de muitas outras entidades. Com uma posição clara nesse sentido ficaríamos a saber que de facto a liderança do PSD luta por uma mudança de regras e de política. Hoje a posição dos dois maiores partidos parece resumir-se à luta de nomes e de saber a cor de quem vai ocupar cada cadeira. Com esta atitude ambos estão a dar um tiro no pé antes da corrida eleitoral. As dificuldades na nomeação do novo provedor não devem servir de álibi para a manutenção das nomeações governamentais. São antes uma oportunidade de mostrar responsabilidade e de fazer propostas que alarguem a independência das instituições do Estado que não têm de depender dos governos e dos partidos. O PS e o PSD deviam estar lutar por levantar esta bandeira.

Departamento de Economia, Universidade do Minho
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