Opinião
E depois do não: que soluções?
A culpa da situação a que chegou a Grécia é em primeiro lugar dos próprios gregos, dos seus políticos, dos seus excessos de consumo e investimento. Mas a culpa da situação a que a Grécia chegou em 2015 é também de ter aplicado políticas de austeridade que agravaram os seus problemas em vez de os resolver.
A Grécia, ao contrário do que nos querem fazer acreditar, aplicou uma forte austeridade, que resultou em diminuições do consumo, dos gastos públicos e do défice externo e défice público superiores às registadas em Portugal.
A queda de 25% do PIB e o forte aumento do desemprego não aconteceram porque o programa não foi cumprido. Aconteceram porque a Grécia aplicou muitas das medidas de austeridade determinadas pela troika. Com uma despesa superior ao produto em 13%, a Grécia vivia acima das suas possibilidades. A queda de 25% do PIB baixou as possibilidades, e aumentou o rácio de endividamento.
A culpa da situação a que a Grécia chegou é, assim, também das instituições europeias que impuseram programas desajustados, a que faltou visão económica, política e social.
Mas a maior culpa é da própria culpa. Nos últimos cinco anos, gregos, instituições e governos estiveram mais empenhados em atribuir culpas e punições do que em encontrar soluções.
Há cinco anos, quando Grécia entrou numa situação de ruptura financeira, a corrente dominante foi a de que era necessário um plano de resgate duro, em que a punição, ao demonstrar a determinação das instituições da UE, resultaria numa rápida recuperação da confiança em toda a Zona Euro. Era a tese da austeridade expansionista.
A ideia foi ampliada a toda a Zona Euro, levando a uma inversão do que tinha sido a reacção inicial à crise internacional. A austeridade aconteceu, o efeito expansionista não. Em vez de reforçar a confiança dos investidores, a austeridade aprofundou a recessão, e adiou o investimento e a retoma.
Onde havia um problema financeiro grego, passou a haver um problema financeiro em toda a Zona Euro. Países como a Espanha ou a Irlanda (dois dos que mais cumpriram as regras orçamentais) viram-se obrigados a resgates mais ou menos formais. O problema financeiro transformou-se em problema económico. O contraste com os EUA, que mantiveram a política orçamental e adoptaram mais cedo políticas monetárias não convencionais, é notório. Os EUA mantiveram um crescimento de 2% ao ano. A Zona Euro estagnou. Em resultado, o PIB per capita da Zona Euro passou de 76% do dos EUA para menos de 71%. Um recuo que ocorreu em todos os países da Zona Euro, mesmo se em doses diferentes.
Ontem, a estratégia negocial de ruptura trouxe uma vitória política interna ao Syriza. A demagogia da punição também tem trazido bons resultados eleitorais a alguns líderes conservadores. Mas não aproximaram a UE de uma solução dos seus problemas.
A Grécia, com uma dívida de mais de 180% do PIB, um desemprego acima dos 25% e um crescimento anémico continua a não ser solvente. Uma situação que já existia antes de o Syriza ser eleito e que continua depois da vitória do "não".
Antes da ruptura das negociações, as diferenças entre as propostas do governo grego e as das instituições europeias pareciam demasiado pequenas para inviabilizar um acordo. No entanto, o acordo, que esperemos agora seja possível, teria de dar origem a vários outros, pois não trazia em si nenhuma solução para mais do que os problemas de financiamento de curto e médio prazo.
A Grécia e a Zona Euro precisam de uma solução de médio e longo prazo. E essa terá de resultar de um tipo de negociação diferente, e de uma atitude diferente dos líderes europeus. É necessária uma solução que consiga articular instrumentos financeiros, com apoio ao investimento. Que permita reequilibrar a economia grega sem a afundar, de uma forma que seja sustentável e politicamente aceitável. Isso tem de passar por renegociar as condições de financiamento da dívida, por um programa de ajustamento mais moderado, pela inclusão de instrumentos de apoio ao investimento e por reformas no funcionamento da economia grega. A solução já chega com quatro anos de atraso, perdidos a discutir culpas. A solução não conseguirá evitar que a Grécia passe mais de uma década com um desemprego demasiado elevado e eventualmente até mais do que esse tempo até recuperar o poder de compra que tinha antes da crise. A solução será tudo menos fácil para os Gregos.
Portugal tem o maior interesse em que seja encontrada uma solução rápida e duradoura que permita à Grécia recuperar da crise. A ruptura e a saída dos gregos tem riscos difíceis de medir e que se prolongam no tempo. O precedente de haver uma saída torna o euro mais vulnerável. O Governo português devia estar na linha da frente dos que querem encontrar uma solução. Não tanto por esta poder ser replicada para Portugal, mas antes porque o não encontrar uma solução prejudica toda a Europa, mas tem potencial para prejudicar especialmente os países mais vulneráveis e endividados, como é o caso de Portugal. No caso grego a solidariedade com o povo grego e o interesse nacional de Portugal em muitos aspectos estão do mesmo lado.
Professor no departamento de Economia da Universidade do Minho