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09 de Junho de 2015 às 00:01

Instabilidade ou mudança

A actual maioria afirma agora defender a importância da estabilidade face aos riscos da mudança. Qual estabilidade? A política? A das políticas públicas? A estabilidade dos rendimentos? A estabilidade do funcionamento das instituições? Ou a estabilidade do emprego?

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Em todas estas áreas, nos últimos quatro anos, o que dominou foi a instabilidade, a incerteza e o medo sobre o dia seguinte. É também isso que se pretende mudar. E o processo de elaboração dos programas e compromissos eleitorais mostra bem a diferença entre a forma de actuar da maioria e a do partido socialista.

 

O actual governo conseguiu provar que ter uma maioria absoluta não garante estabilidade política, ou estabilidade das políticas. Provou isso em Agosto de 2013, com a saída irrevogável de Paulo Portas. Mas provou também no que foi a prática de entradas e saídas quase permanentes. Em menos de quatro anos houve 12 remodelações (uma a cada 4 meses). Em quase 70 secretários de Estado que passaram pelo actual Governo, apenas 12 se mantêm desde o início.

 

Mas o actual Governo foi também marcado por uma forte instabilidade nas políticas, que lançaram uma forte imprevisibilidade sobre a economia, diminuindo a confiança dos cidadãos e dos investidores.

 

O memorando permitia executar políticas de forma previsível. O Governo em vez de escolher segui-lo com moderação, minorando os sacrifícios e distribuindo-os de forma equilibrada, optou exactamente pelo contrário. Decidiu ir para além da troika. Concentrou-se em cortes imediatos e transversais (salários, pensões) e em aumentos brutais de impostos, em vez de seguir políticas estruturais de reforma da despesa a longo prazo.

 

A instabilidade das políticas foi muito acentuada. Em 2012 concentraram-se os sacrifícios nos funcionários públicos, com o corte de salários. Depois focaram-se em alguns grupos de pensionistas. Em 2013, foi o brutal aumento de impostos sobre o rendimento. A concentração das medidas em cada ano acentuou a instabilidade.

 

A escolha de medidas inconstitucionais que vigoraram apenas alguns meses foi outra fonte de incerteza. Funcionários públicos e pensionistas viram o seu rendimento mensal mudar várias vezes ao longo do ano, em vários dos anos desta legislatura. Houve uma completa instabilidade nos rendimentos de todos os que dependiam do Estado. 

 

A imprevisibilidade reflectiu-se também na execução orçamental. Nunca tinha havido tantos orçamentos rectificativos.

 

Mas a instabilidade das políticas não se ficou apenas pela alternância das medidas de austeridade (hoje só cortes, amanhã só impostos, depois de amanhã mais cortes). O actual Governo acabou com o Simplex, mas agora afirma que a simplificação é uma prioridade. Foi crítico das energias renováveis, que hoje são uma aposta do ministro do Ambiente. Cortou na ciência e no ensino superior, e lançou incerteza nas avaliações, acabando por voltar atrás em muitos dos erros, e afirmando agora que esta é uma área importante para o futuro. Nas obras públicas parou tudo, porque não era rentável e não havia dinheiro e hoje defende vários megaprojectos ainda menos rentáveis do que alguns que interrompeu.

 

A falta de estabilidade reflectiu-se também nas instituições públicas. As fundações foram todas ameaçadas de fecho. No fim, poucas fecharam. A AICEP esteve nove meses à espera de um novo presidente, enquanto se decidia se esta devia estar na Economia ou nos Negócios Estrangeiros. Para a RTP, um dia a solução era fechar, no outro privatizar, o canal 2 era para fechar. No final nada disto aconteceu. Mas a instabilidade foi permanente.

 

A instabilidade estendeu-se também aos tribunais, com a falha do Citius, e às escolas, com o arranque do ano escolar sem calendário certo. Com a confusão na colocação de professores. Com o ensino artístico com salários em atraso.

 

Para as empresas, o quadro não foi melhor. O IRC aumentou para depois diminuir. Os impostos sobre o trabalho sofreram várias alterações. As regras fiscais a cumprir mudaram várias vezes, obrigando a investimentos e a vários ajustamentos. Cumprir as obrigações fiscais tornou-se mais complicado, com regras a serem adicionadas e a entrarem em vigor antes de as empresas ou os mecanismos públicos estarem preparados. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com as guias de transporte.

 

Houve ainda as permanentes afirmações públicas de ministros que lançavam novas dúvidas nos empresários, funcionários públicos, pensionistas ou nos contribuintes. Uma estratégia comunicacional baseada no medo e na culpa, que procurou dividir os portugueses.

 

É toda esta instabilidade que é urgente mudar. A preparação do programa do Partido Socialista, em que participei, é clara nesse objectivo. Trata-se de garantir maior estabilidade ao rendimento e emprego dos cidadãos, e de garantir um quadro mais estável e transparente às empresas, para que tenham a confiança de voltar a investir.

 

O método de trabalho seguido, que envolveu uma discussão alargada e foi acompanhado pela avaliação do impacto económico e orçamental, revela uma proposta diferente de governação. Não só nas medidas, mas também no método, aberto, transparente, baseado numa participação alargada, que recorre ao conhecimento e à discussão como formas de encontrar melhores soluções e propor medidas e compromissos consistentes, que assim serão mais previsíveis e estáveis. Esta forma de trabalhar revela um forte contraste não só com a actual governação, mas também com a enorme decepção com o que foi a apresentação das Garantias pelos líderes da maioria, em que a ambiguidade e a falta de estudo, detalhe ou clareza, lançam mais incerteza do que contribuem para um debate mais esclarecido.

 

Professor no departamento de Economia da Universidade do Minho

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