Opinião
Lições da História?
Em pano de fundo está o euro, lançado sem que se tivesse promovido harmonização fiscal adequada entre os estados que o tomaram como moeda. Por causa disso já ouvi chamar a Delors o Bernie Madoff da Europa, mas é injusto.
Em pano de fundo está o euro, lançado sem que se tivesse promovido harmonização fiscal adequada entre os estados que o tomaram como moeda. Por causa disso já ouvi chamar a Delors o Bernie Madoff da Europa, mas é injusto.
No começo da semana passada, em reunião perto de Helsínquia os ministros das Finanças da Finlândia, da Holanda e da Alemanha renegaram acordo alcançado na cimeira europeia de 29 de Junho permitindo que o novo Mecanismo Europeu de Estabilidade se pudesse ocupar dos bancos, em casos como os da Espanha e da Irlanda. Só em casos futuros, sustentam agora. Não era esse o entendimento escrito no comunicado da cimeira, cheia de golpes e contragolpes negociais, em que Rajoy e Monti teriam por fim convencido Merkel - e não é certamente o de Madrid e Dublin. Teria sido (poderá ainda ser?) um grande passo a caminho da União Bancária, mecanismo de transferência de dinheiro do Norte rico para o Sul pobre, necessário até as economias do Sul se recomporem. Curteza de vistas e medo dos eleitorados dos governantes do Norte (incapazes de explicar aos seus que a crise europeia não é uma fábula moral de cigarras e formigas e que bancos alemães e holandeses são pelo menos tão culpados do descalabro a que se chegou quanto, por exemplo, empresários e consumidores gregos ou portugueses) prolongam e agravam a crise. Aos olhos de um mundo concorrente e implacável mostram Europa incapaz de resolver os seus próprios problemas e Alemanha sem respeito pela palavra dada. Más relações públicas.
Em pano de fundo está o euro, lançado sem que se tivesse promovido harmonização fiscal adequada entre os estados que o tomaram como moeda. Por causa disso já ouvi chamar a Delors o Bernie Madoff da Europa, mas é injusto. A política estabelece limites à competência. Kohl e Mitterand - que queriam, podiam e mandavam - estavam com pressa. O francês porque considerava o Deutschmark a arma atómica alemã e, incapaz de evitar a reunificação, queria ao menos acabar com ele. O alemão porque para ele a reunificação valia essa perda: a Alemanha, unida, jamais seria vencida.
O conluio anti-Sul de Berlim, Helsínquia e Haia que levanta mais um obstáculo de monta à recapitalização da banca europeia, recapitalização sem a qual não sairemos da crise, exigiria contradição firme dos outros membros da zona euro, antes que a austeridade acabe de vez com o projecto europeu. Vamos a ver. Em alturas assim, mesmo virada para o futuro, a gente lembra-se da história. Lembra-se que, durante a segunda guerra mundial, a Finlândia foi aliada da Alemanha Nazi e que as autoridades holandesas, com zelo maior do que as de qualquer outro país ocupado pelos nazis, caçou os seus próprios judeus para os entregar aos alemães e ao extermínio. E lembra-se da sabedoria de Churchill: "Germany is either at your feet or at your throat". (A Alemanha ou está rojada aos teus pés ou a apertar-te o pescoço). Espero que não nos tenha cabido o privilégio de assistir a tal ascensão; que haja ainda políticos alemães da têmpera de Helmut Schmidt e de Helmut Kohl capazes de guiarem os seus compatriotas para longe da tentação desastrosa de poder a que por duas vezes cederam no tempo em que havia guerras.
No começo da semana passada, em reunião perto de Helsínquia os ministros das Finanças da Finlândia, da Holanda e da Alemanha renegaram acordo alcançado na cimeira europeia de 29 de Junho permitindo que o novo Mecanismo Europeu de Estabilidade se pudesse ocupar dos bancos, em casos como os da Espanha e da Irlanda. Só em casos futuros, sustentam agora. Não era esse o entendimento escrito no comunicado da cimeira, cheia de golpes e contragolpes negociais, em que Rajoy e Monti teriam por fim convencido Merkel - e não é certamente o de Madrid e Dublin. Teria sido (poderá ainda ser?) um grande passo a caminho da União Bancária, mecanismo de transferência de dinheiro do Norte rico para o Sul pobre, necessário até as economias do Sul se recomporem. Curteza de vistas e medo dos eleitorados dos governantes do Norte (incapazes de explicar aos seus que a crise europeia não é uma fábula moral de cigarras e formigas e que bancos alemães e holandeses são pelo menos tão culpados do descalabro a que se chegou quanto, por exemplo, empresários e consumidores gregos ou portugueses) prolongam e agravam a crise. Aos olhos de um mundo concorrente e implacável mostram Europa incapaz de resolver os seus próprios problemas e Alemanha sem respeito pela palavra dada. Más relações públicas.
O conluio anti-Sul de Berlim, Helsínquia e Haia que levanta mais um obstáculo de monta à recapitalização da banca europeia, recapitalização sem a qual não sairemos da crise, exigiria contradição firme dos outros membros da zona euro, antes que a austeridade acabe de vez com o projecto europeu. Vamos a ver. Em alturas assim, mesmo virada para o futuro, a gente lembra-se da história. Lembra-se que, durante a segunda guerra mundial, a Finlândia foi aliada da Alemanha Nazi e que as autoridades holandesas, com zelo maior do que as de qualquer outro país ocupado pelos nazis, caçou os seus próprios judeus para os entregar aos alemães e ao extermínio. E lembra-se da sabedoria de Churchill: "Germany is either at your feet or at your throat". (A Alemanha ou está rojada aos teus pés ou a apertar-te o pescoço). Espero que não nos tenha cabido o privilégio de assistir a tal ascensão; que haja ainda políticos alemães da têmpera de Helmut Schmidt e de Helmut Kohl capazes de guiarem os seus compatriotas para longe da tentação desastrosa de poder a que por duas vezes cederam no tempo em que havia guerras.
Mais artigos do Autor
Clausewitz às avessas
27.11.2013
"Douce France"
20.11.2013
Mediocridade
14.11.2013
Defesa europeia
06.11.2013
Espionagem, maneiras e bom senso
30.10.2013
O pequeno país
23.10.2013