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12 de Julho de 2005 às 13:59

Isto não é nada

Isto não é nada», dizia à câmara de TV o londrino que, copo de cerveja na mão, comemorava na rua os 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Referia-se o londrino às bombas terroristas que, dias antes, tinham feito um número ainda desconhecido de mortos

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«Isto não é nada, comparava ele a tragédia de há dias com a de Londres arrasada há pouco mais de meio século.

Parece-me – e, de facto, é – chocante, quando se pensa na angústia de quem procura um ser amado desaparecido desde os atentados, ouvir-se dizer que «isto não é nada». Para muitos «isto» foi tudo. Mas, por mais que repugne, mesmo o que é absoluto – a ignomínia do terrorismo ou o horror da guerra – tem a sua dimensão relativa. Por mais terríveis que sejam as proporções da tragédia de quinta-feira passada, são (é estranho dizê-lo, mas?) ínfimas quando comparadas à destruição de uma cidade. Londres foi destruída há pouco mais de meio século e é hoje uma das cidades mais atraentes do mundo – tanto pelo que atrai de turistas quanto pelo que atrai de imigrantes de todos os cantos da Terra. Londres venceu a própria destruição por toneladas e toneladas de bombas lançadas do céu, saberá lidar com «that couple of bombs» da Al Qaida.

E o primeiro passo a dar é precisamente esse: não se dar por vencido, não dar aos terroristas a impressão de que estão a vencer, de que têm sequer alguma hipótese de vitória. Mesmo no mais fanático terrorista, mesmo naqueles que até para si querem a morte, há algum cálculo. E alguma esperança de vitória, por mais ténue que seja, sempre há de ser o primeiro elemento desse cálculo.

As trapalhadas de Aznar, por um lado, e, por outro, o leviano anúncio, por Zapatero, com o 11 de Março ainda a fumegar, da retirada de tropas espanholas do Iraque (quando isso já fazia parte do programa eleitoral e, portanto, prescindia de anúncio), tudo isso ilustrado pelas imagens de caos, pânico, sangue e dor de Atocha, terão rendido um período de prosperidade ao departamento de recrutamento e selecção da Al Qaida. O inglês que olha para a câmara e, cerveja na mão, na rua e sem medo, proclama que «that couple of bombs were nothing» é o mais eficaz antídoto às esperanças terroristas.

E tem razões, o inglês. Postas as coisas na ponta do lápis, quais foram os ganhos do terrorismo islâmico a partir do 11 de Setembro? Ganharam notoriedade, com certeza, e, com ela, a capacidade de recrutamento de mais uma cambada de suicidas-homicidas (tudo me leva a crer que há uma determinante componente exibicionista na patologia dos homens-bomba). Mas do ponto de vista estratégico (admitindo que haja objectivos estratégicos além do puro e simples gozo da carnificina) tudo o que alcançaram foi a queda do regime talibã no Afeganistão, o derrube do regime de Saddam Hussein no Iraque e a reeleição de Bush nos EUA e de Blair na Inglaterra, para não falarmos na proibição do véu islâmico nas escolas de França.

Só um dos lados deste conflito pode, quer e deve medir as suas conquistas pelo número de mortos impostos ao adversário. E esse não é o nosso lado. Eles são letais, sim. Horrivelmente letais. Mas são estúpidos como portas.

Por isso, é natural que matem, que matem muito, que matem quando menos se espera que matem. Mas nós é que venceremos, claro!

PS: Há quem chame de «censura» aos limites impostos em Inglaterra ao acesso às imagens da carnificina. Por mim, podiam chamar de «esquistossolíade», de «obtirnicação» ou de «albertina», desde que rigorosamente imposta e escrupulosamente observada.

PPS: Carros, rua!

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