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15 de Setembro de 2006 às 13:59

Irão onde?

A batalha diplomática para tentar travar o programa nuclear iraniano não surge com a substituição de Rafsanjani. Os dirigentes religiosos, ainda na sua presidência, retomaram o programa iniciado, no início dos anos 70, pelo Xá Reza Pahevi, deposto por uma

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Pode-se argumentar que o Xá pretendia apenas obter tecnologia nuclear. Contrapõe-se a esta afirmação que essa tecnologia só poderia servir para a construção de centrais electronucleares, todavia essa mesma tecnologia poderia, se se quisesse promover o enriquecimento de urânio e seu processamento em diferentes graus de enriquecimento incluindo o militar.

Desde 2003 que os países ocidentais - designadamente a Europa e os EUA – procuram travar o processo, não negando o acesso ao electronuclear mas tentando evitar o processo de enriquecimento e processamento do urânio e deste modo bloqueando o eventual fabrico de armas nucleares. Quem vendeu ao Irão, República Islâmica, teocracia fundamentalista, o equipamento que permitiria essa operação?

As inquietações são legítimas. As soluções são uma verdadeira enxaqueca se Teerão não colaborar. O Ocidente tem apenas suspeitas da existência de um programa nuclear militar. Suspeitas que se fundamentam nas restrições impostas aos inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica, entidade que verifica as operações que decorrem em instalações que processam materiais fissíveis incluindo as próprias centrais nucleares. A ideia é garantir o cumprimento do NPT e impedir o acesso de mais países ao clube nuclear.

O Irão está rodeado de vizinhos que escapando ao NPT produziram as suas armas nucleares, designadamente: Paquistão e Índia, além de Israel. Impunemente. Um Paquistão e uma Índia nucleares, com os seus conflitos fronteiriços e guerras esporádicas são potências pouco recomendáveis no clube nuclear, tão pouco como o é o Irão e até Israel (embora neste caso se possa argumentar que pela sua dimensão e a força dos seus inimigos o nuclear é um agente dissuasor de peso).

No caso iraniano a situação encarada a nível histórico, só por si, é preocupante. As tendências hegemónicas da Pérsia remontam a 500 anos AC quando Ciro, «O Grande» foi o Senhor incontestado do Médio Oriente.

O Golfo, a estreita língua de água que separa persas de árabes, é o exemplo da disputa regional. Visto de Teerão é Golfo Pérsico, visto da Arábia é Golfo Arábico. Em 1935 o pai de Reza Pahevi mudou o nome de Pérsia para Irão, não por acaso mas porque irão significa ariano, a raça pura no meio de muçulmanos pelo menos inferiores aos xiitas maioritariamente absolutos na Pérsia.

O equilíbrio durante décadas era feito através do poderio militar e também económico de Bagdade, tradicional opositor de Teerão, mas também divergente histórico do poder de Damasco de quem era um aliado circunstancial após a divisão do Médio Oriente depois da Segunda Guerra Mundial.

A subida ao poder dos ayathollas aumentou a ameaça persa face à península arábica, mas também em todo o Médio Oriente. Damasco e Bagdade estiveram do mesmo lado. À frente dois homens divergentes: Haffez Al Assad e Saddam Hussein. O apoio Ocidental a Saddam impulsionou-o para uma guerra contra o Irão e todos os seus vizinhos árabes apoiaram financeiramente o esforço militar de Saddam. O Ocidente forneceu-lhe todo o tipo de armas entre 1980 e 1988, compensando de algum modo os 10 mil milhões de dólares em armamento adquirido por Reza Pahevi aos Estados Unidos entre 1974 e 1975 e que os Guardas da Revolução – um corpo extremista dentro do pandemónio iraniano – haviam conseguido recuperar, pelo menos parcialmente.

Hoje, perante a destruição da estrutura de poder no Afeganistão, de onde alegremente os soviéticos retiraram com Mikhail Gorbatchov, e a recuperação de alguma organização dos talibans derrubados pela invasão dos EUA, sem que Ossama Bin Laden tivesse sido capturado a situação no Médio Oriente tornou-se mais complicada. Como se isso não chegasse, Saddam Hussein já derrotado por Bush (pai) em 1992, é derrubado pelo filho Bush, sem a menor ideia das consequências que isso ia causar. Saddam estava muito longe de ser um menino de coro, mas era apesar de tudo um contrapeso ao Irão e uma segurança para a Arábia. Na Palestina tudo corre ao contrário daquilo que se pretende e/ou se espera. Tudo isto somado leva a uma situação altamente instável no Médio Oriente.

O Irão forçou a nota com o seu apoio ao Hezebollah, por quem no início não morria de amores, sendo a Jihad Islâmica a sua filha dilecta. O facto é que com o Irão e outros apoiantes, sempre amigos do Ocidente, o Hezebollah mostrou pela primeira vez a vulnerabilidade do Exército israelita. Caiu o mito da invencibilidade.

A eleição para a Presidência iraniana de Mahmud Ahmadinejad apoiado pelo líder supremo o ayatollah Ali Hoseini-Khamenei, sucessor de Khomeny em 1989 não melhorou em nada a situação que se vivia e deixava adivinhar que numa futura crise o diálogo ia ser muito difícil.

As propostas da UE não foram aceites, todavia Teerão continua a falar em diálogo, em negociar. Uma estratégia para ganhar tempo ou encontrar uma saída que salve a face, numa zona do Mundo onde as aparências são importantes? Nada indica uma ou outra.

As sanções económicas serão caras para o Irão, mas não serão as primeiras nem irão criar animosidades contra a teocracia governante, pelo contrário. Irão privar o mundo industrializado, atingido por uma alta sem precedentes do preço do petróleo, de mais de 2,5 milhões de barris de petróleo por dia, de 4,4 mil milhos de m3 de gás natural.

Um facto é que a economia iraniana é extremamente vulnerável por depender excessivamente do petróleo e gás natural. Trata-se de impor sanções ao quarto produtor mundial de petróleo e segundo da OPEP. Quem será mais afectado?

As sanções militares são uma miragem, tanto quanto racionalmente se possa dizer que existem miragens com George W. Bush. Com eleições em Novembro e os democratas à beira de terem a maioria no Capitólio, provavelmente nas duas Câmaras, George W. pode pensar que uma guerra salva os republicanos, mas pode bem estar enganado.

O nuclear iraniano vai exigir empenho europeu sobretudo, imaginação diplomática, compensações e estímulos, mas sem o aparato americano do elefante na loja de porcelanas. Se assim não for irão para onde?

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