Opinião
Inovação: as mentalidades primeiro? a tecnologia depois
Podendo pecar por extensa, julgo que a citação inicial de um famoso guru da mudança - que, aliás, visitou Portugal recentemente - sintetiza, de forma brilhante, os actuais desafios da nossa sociedade: ...
«The age of progress is over. It was born in the Renaissance, achieved its exuberant adolescence during Enlightenment, reached a robust maturity in the industrial, and died with the dawn of the twenty first century. For countless millenia there was no progress, only cycles. Seasons turned. Generations came and went. Life didn’t get better, it simply repeated itself in an endlessly familiar pattern. There was no future, for the future was indistinguishable from the past.
Then came the unshakable belief that progress was not only possible, it was inevitable. Life spans would increase. Material comforts would multiply. Knowledge would grow.
(....)
We now stand on the threshold of a new age - the age of revolution. In our minds, we know the new age has already arrive; in our bellies, we’re not sure we like it. For we know it is going to be an age of upheaval, of tumult, of fortunes made and unmade at head-snapping speed. For change has changed. No longer is additive. No longer does it move in a straight line. In the twenty-first century, change is discontinuous, abrupt, seditious.»1*
Podendo pecar por extensa, julgo que a citação anterior de um famoso guru da mudança - que, aliás, visitou Portugal recentemente - sintetiza, de forma brilhante, os actuais desafios da nossa sociedade: vivemos em processos de mudança à escala global, implicando rupturas profundas com os paradigmas do passado, de que resultam enormes incertezas sobre o futuro.
Adaptar-se às novas realidades é, em suma, inovar. Inovar processos, conceitos, organizações e formas de reagir ao meio envolvente. Na época actual, a abordagem à problemática da inovação e da investigação e desenvolvimento (I&D) só será bem sucedida se tomar em consideração o novo «framework» económico, social e político em que o mundo se encontra.
É por isso que, considerar que a inovação é, acima de tudo, um processo tecnológico conduzido a partir do Estado e de Bruxelas, como se pretende em muitas capitais europeias, levará à repetição dos fracassos como o que se verificou com a Estratégia de Lisboa. O sucesso da inovação e do investimento em I&D não passa, em primeira instância, por aumentar a despesa do Estado e pelo investimento cego em tecnologia, mas sim por mudar mentalidades, organizações e sistemas de funcionamento em sociedade.
O peso do investimento em I&D na UE é de apenas 1,9% do PIB contra 2,7% dos EUA e 3% do Japão. Em valor, o gap entre os EUA e a UE é de mais de 120 mil milhões de euros por ano e com tendência para aumentar. A fonte fundamental deste gap é o muito mais elevado nível de investimento do sector empresarial em I&D nos EUA que na Europa: 100 mil milhões de euros! O peso do investimento do sector empresarial na UE é de 54% contra 63% nos EUA e 75% no Japão. Isto é: o sucesso da inovação e da I&D passa por criar condições favoráveis ao investimento privado e ao desenvolvimento da iniciativa privada.
O peso do investimento em I&D em Portugal é de apenas 0,8%, sendo que apenas 32% é investimento do sector empresarial.
O problema do investimento em I&D na Europa - e com maior gravidade em Portugal - e o atraso em matéria de inovação, resultam de se ter apostado fundamentalmente em soluções do lado da oferta - e sustentadas por despesa pública - em vez de se apostar em soluções mais viradas para os resultados e em consonância com o lado da procura, nomeadamente empresarial. O sucesso da inovação e da I&D na Europa implica inverter completamente aquela lógica. É claro que esta inversão requer a adopção de soluções de ruptura, em linha com a visão traçada por Gary Hammel, e não se trata com aspirinas de gradualismo mitigado...
Essas soluções de ruptura implicam questionar o famoso «modelo social europeu» e passam pela introdução de medidas de flexibilização dos mercados de trabalho, de capitais e do conhecimento. Novas leis laborais, mecanismos de criação e liquidação de empresas mais rápidos e expeditos, fim das «cátedras» inexpugnáveis dos investigadores que encaram os seus trabalhos de investigação como um fim em si e passagem à investigação experimentalista e virada para as necessidades das empresas são condições indispensáveis para recuperarmos do atraso europeu. Mais despesa pública sem tomar em consideração estes factores resultará em mais capital desperdiçado em projectos ineficientes e que colocarão crescentemente a Europa atrás dos demais blocos económicos.
No caso português, mais do que gastar mais dinheiro do Estado em I&D, importa reavaliar a forma como esse dinheiro é gasto ou investido. A anunciada reforma dos laboratórios do Estado poderá ser um bom começo, desde que a sua lógica de desenvolvimento passe a ser determinada pelas necessidades efectivas do mundo empresarial português.
Por exemplo, na Holanda, o TNO, um laboratório do Estado com uma missão, em parte, semelhante à que deveria ter o antigo INETI (Laboratório do Estado para a investigação aplicada às empresas), tem que concorrer com outros organismos, incluindo os do sector privado, na captação dos fundos do Estado: é que em vez de transferências directas do orçamento, o Estado holandês concede «vouchers» de investimento em I&D às empresas e estas são livres de escolher o seu «fornecedor». São ideias simples como esta que podem fazer mudar toda a lógica de funcionamento do sistema de I&D. Porque não aproveitá-la em Portugal?
1* «Leading the revolution», Gary Hamel, 2000 ( na foto)
PS- O leitor Pedro Martins Barata, que não tenho prazer de conhecer, enviou ao Jornal de Negócios uma carta tecendo comentários ao meu artigo intitulado «Portugal deve renegociar Quioto». Apraz-me registar, em primeiro lugar, que o leitor concorda comigo no essencial do que escrevi: a) a indústria portuguesa é injustamente penalizada (o «sitting duck» como lhe chama o leitor) tendo que arcar com o ónus resultante de nenhum defensor do protocolo ter coragem para defender publicamente e tomar medidas efectivas contra o que o leitor chama de «padrão de vida insustentável» e que provavelmente levaria à proibição de automóveis nas cidades e, para os extremistas, ao regresso à alvorada da revolução industrial; b) o protocolo de Quioto foi, antes de tudo um acordo político, em que a Rússia foi parte determinante (pergunto apenas: porque será que para os defensores do protocolo os custos ambientais do lixo nuclear e das centrais nucleares não têm que ser internalizados como sucede para as emissões de CO2? Será porque a França e a Rússia e os países da ex-URSS dependem largamente do nuclear para a produção da energia?); c) a manter-se o actual acordo Portugal terá que se preparar para o «impacte financeiro da compra de créditos» (o leitor não explica é quem pagará e com que consequências).
O que já me espanta é que o leitor ache normal que potências económicas mundiais como a China e a Índia sejam isentas de qualquer obrigação ambiental e Portugal, assim como os demais países europeus, tenham que fazer a figura quixotesca de campeões do ambiente. É que seria importante saber se o objectivo dos defensores de Quioto é reduzir as emissões de CO2 e o risco de aquecimento global ou se, pelo contrário, é apenas limitar o crescimento de algumas economias. É que se o objectivo for o primeiro dificilmente se entende como ficaram de fora os grandes poluidores do futuro - e a uma escala bem superior à dos EUA. Parece que, para o leitor só as emissões passadas têm responsabilidade na evolução do clima. Ou seja, as emissões passadas prejudicam irreversivelmente o clima, mas as futuras nem tanto! Parece-me uma análise muito pouco científica do problema.
Quer o leitor queira quer não, é evidente, que Portugal e os demais países europeus irão ter que rever os seus planos de emissões. Ao defender a revisão do plano português fi-lo, na justa medida, em que esse processo irá acontecer em toda a Europa. Aliás, pelo raciocínio simplificador do nosso leitor, a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento jamais teria sido possível. A atitude dogmática de não admitir essa hipótese, enterrando a cabeça na areia, é que me parece pouco séria intelectualmente (o leitor já analisou as medidas adicionais do PNAC para cumprir os objectivos de Quioto?). Essa discussão está cada vez mais aberta por duas razões: a consciência de que, afinal, a China e a Índia representam uma ameaça significativa para a economia europeia e, aí, as intenções utópicas dos burocratas têm que dar lugar à dura realidade da vida (e da economia, diria) e a observação de que o método de atribuição de licenças de emissão não é justo, mesmo no espaço europeu uma vez que cada país jogou o mais que pôde à defesa na determinação dos seus níveis de emissão de licenças.
Fico muito grato pelos comentários e só gostaria que o debate sobre esta matéria, de vital importância para o futuro do nosso país, fosse objecto de muito mais discussão pública e muito mais polémica.