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30 de Novembro de 2007 às 13:59

Os efeitos perversos do dogmatismo “científico”

O “Diário de Notícias” anunciava, na sua edição de quinta-feira que, afinal, o número de abortos anuais em Portugal deverá ser de 10.000 em vez dos 20.000 tantas vezes proclamados. Também há dias, as Nações Unidas reviram em baixa as suas estimativas de d

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Mesmo que estes números fossem substancialmente inferiores seriam sempre dramáticos, mas o que pretendo salientar nestes dois casos é a frequência com que se assiste a uma tendência grosseira para exagerar as estimativas do impacto de determinadas situações, inflacionando manifestamente os valores envolvidos e procurando apresentar esses dados como sendo resultantes de cálculos científicos irrefutáveis. Trata-se de uma forma dominante de condicionar a opinião pública através do claro exagero das situações e das suas consequências.

Já ninguém se lembra do manifesto de centenas de cientistas que, em Londres, antes do início da primeira Guerra do Golfo, garantia, com base em pretensos estudos científicos que, caso Sadam Hussein lançasse fogo aos poços de petróleo do Koweit como retaliação pela invasão dos aliados, tal provocaria um cataclismo ambiental de consequências mundiais.

O que é verdade é que os poços foram mesmo incendiados e se localmente se verificaram problemas ambientais nunca se observaram, nem de longe nem de perto, os cenários catastróficos que os tais cientistas antecipavam. Mas o “mea culpa” desses cientistas face a previsões completamente erradas nunca chegou a acontecer!...

Se é normal que estimativas quantitativas estejam sujeitas a erros de cálculo, já que o conhecimento humano é limitado e imperfeito, já bem diferente é o facto de, em muitos casos, para defender certas causas, se pretender apresentar estudos “científicos” para impor, sem contestação, a adopção de políticas que deveriam estar sujeitas ao mais amplo escrutínio e discussão da sociedade.

O uso e abuso de estudos “científicos”

Tornou-se hábito invocar estudos científicos para justificar tudo e mais alguma coisa. Vivemos numa época em que as tentações intervencionistas e regulamentadoras do comportamento dos cidadãos são cada vez mais fortes. É neste contexto que se vão procurando criar medos e receios do desconhecido que em tudo se assemelham aos comportamento retrógrado dos inimigos do progresso dos séculos passados.

E a invocação de estudos de natureza pretensamente científica produzidos por uma qualquer “autoridade” académica ou científica pressupostamente dotada de conhecimentos superiores, intocáveis e inacessíveis ao comum dos mortais como forma de impor certas verdades ou certas medidas tem-se tornado prática corrente.

O que é preocupante neste processo é que assistimos a uma crescente  substituição do espírito crítico que sempre caracterizou  a ciência e os progressos científicos – baseados no princípio do “trial and error” – por um dogmatismo legitimado com a utilização recorrente dos termos “ciência” e “científico”, em que alguns se arrogam detentores de verdades absolutas.

A ciência não é um dogma!

Convém ter sempre presente que mesmo a ciência está longe da perfeição. Ela não é mais que uma formulação humana que pretende interpretar a realidade que nos cerca da forma mais sistemática possível. Mas a ciência não é um dogma, está sujeita às limitações que decorrem das limitações do conhecimento humano e nem sequer é uma verdade imutável ao longo da história da humanidade. A ciência só vive e se desenvolve enquanto coexistir com a estimulação do espírito crítico e da dúvida científica.

É por tudo isto que não se pode aceitar que, em nome de “verdades científicas” se pretenda, por vezes, lançar o anátema sobre as opiniões discordantes e que se manipulem estudos como meio de condicionar e alarmar a opinião pública.

O caso mais gritante desta manipulação é o dos relatórios do Painel das Alterações Climáticas da ONU que pretende impor como verdade científica provada e incontestável a conclusão de que o aquecimento global é provocado, em primeira instância, pela actividade humana. O que se passa é que não só as conclusões do painel têm imensas limitações crescentemente contestadas por investigadores e cientistas como, pior ainda, a maior parte dos membros do Painel são comissários políticos e membros de ONG ambientalistas e só uma minoria é, de facto, composta por cientistas e investigadores.

Mas também se podem citar os casos já esquecidos das estimativas catastróficas das consequências da crise das vacas loucas ou do famoso caso do bug do milénio. Ou ainda toda a polémica, rapidamente esquecida, dos casos de soldados que estiveram na guerra dos Balcãs e que estariam maciçamente afectados na saúde em resultado da manipulação de munições tratadas com urânio empobrecido.

A falsa segurança do Estado

A revolução industrial e os progressos científicos da nossa civilização criaram nos cidadãos um sentimento de segurança e conforto incontestáveis. Esse predomínio materialista dos comportamentos tem conduzido a uma crescente perda do espírito crítico e da noção da fragilidade do ser humano, que caracterizavam as gerações anteriores. A perda dessa couraça moral conduz a que os cidadãos estejam, actualmente, muito mais disponíveis para aceitar como bons todos os discursos catastrofistas que apelam ao medo irracional e ao receio do desconhecido.

Vão-se criando, assim, condições para, na melhor tradição do paternalismo do Estado, se poderem impor medidas de controlo e regulamentação da vida dos cidadãos que transmitem a falsa ilusão de maior segurança – alimentar, rodoviária, climática, económica, etc. – cujo zénite seria certamente a vida eterna na terra e a imortalidade de todos nós.

Mas todos somos mortais, por mais que esse paternalismo nos pretenda convencer quase do contrário, e essa segurança que o Estado nos pretende dar apenas conduzirá, passo a passo, a uma crescente redução das liberdades de escolha dos cidadãos e a uma intromissão crescente do Estado na vida privada de cada um.

O excelente artigo de António Barreto no “Público” do passado domingo espelha exactamente essa onda intervencionista em que o Estado se pretende imiscuir nas escolhas de cada cidadão intrometendo-se, de forma inadmissível, no que devem ser, pura e simplesmente, opções individuais com as consequências que cada um deve assumir para si.

O dogmatismo “científico” pretende, invocando uma superioridade intelectual resultante da etiqueta com que se auto-identifica, coarctar o livre debate e a crítica aberta, indispensáveis ao desenvolvimento e é o maior inimigo do desenvolvimento cientifico e do progresso da sociedade.

Compete-nos a todos contribuir para que, a cada momento, o espaço de liberdade e de escolha individual seja maior e o Estado e os seus organismos se limitem às suas funções essenciais de apoio aos cidadãos.

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