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15 de Junho de 2007 às 13:30

Há vida na “velha Europa”

Quando nas vésperas da invasão do Iraque, em Março de 2003, Donald Rumsfeld usou o epíteto "velha Europa" para identificar os países que se recusaram a apoiar os EUA nessa acção militar, certamente não esperaria que o estigma sobre os visados sobrevivesse

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Quando nas vésperas da invasão do Iraque, em Março de 2003, Donald Rumsfeld usou o epíteto "velha Europa" para identificar os países que se recusaram a apoiar os EUA nessa acção militar, certamente não esperaria que o estigma sobre os visados sobrevivesse tanto tempo.

A verdade é que a expressão do então secretário norte-americano da Defesa ganhou novos contornos e passou a designar, igualmente, os países europeus que porfiam em modelos sociais desadequados às novas tendências demográficas e económicas, que apresentam sistemas fiscais pouco competitivos, que rejeitam a flexibilidade laboral, que se mostram incapazes de gerar emprego, que apostam timidamente em processos de inovação, que não valorizam suficientemente o capital humano e que chegam, até, a preconizar um retorno ao proteccionismo económico.

A França tem sido arauta deste recalcitrante grupo de países que, apesar de todas as evidências, resiste em mudar de uma sociedade industrial para uma sociedade do conhecimento.

Por isso, a vitória de Nicolas Sarkozy nas presidenciais francesas assume capital importância para o futuro da Europa, a fazer fé nas medidas de cariz económico anunciadas pelo novo chefe de Estado.

Sarkozy apresentou um verdadeiro "choque fiscal", no qual propõe, para além da baixa global dos impostos, incentivos às empresas que criem empregos, isenção de tributação para estudantes-trabalhadores e redução dos impostos sobre fortunas e heranças.

Entre as prioridades políticas do actual inquilino do Eliseu encontram-se também a alteração do regime das 35 horas de trabalho semanais, a revisão da lei do serviço mínimo em caso de greves e a negociação com os parceiros sociais da flexibilização da legislação laboral.

Trata-se, pois, de uma agenda liberal, embora o novo Presidente da França - à semelhança, aliás, de Tony Blair - não abdique de um Estado forte, capaz de protagonizar políticas de protecção e coesão social.

Neste sentido, há uma intenção clara de reinventar o Estado-providência, de forma a não comprometer o crescimento económico e a responder eficazmente a um contexto de declínio demográfico, globalização dos mercados e rápida evolução tecnológica.

Nesta tarefa hercúlea, Sarkozy não está, felizmente, sozinho. Também Angela Merkel rompeu com o pântano socioeconómico em que a Alemanha se encontrava, apesar de governar em coligação com os sociais-democratas do SPD.

Graças à já iniciada reforma do modelo social, a chanceler alemã logrou estimular o crescimento económico do seu país e aumentar os postos de trabalho. Ora, esta coincidência de pontos de vista entre Sarkozy e Merkel é bastante auspiciosa, na medida em que configura o renascimento do "motor franco-alemão", cuja vitalidade foi, no passado, determinante para o progresso da Europa.

Olhando com detalhe para o cenário político na UE, o horizonte de mudança afigura-se ainda mais próximo. Em Inglaterra, quer o sucessor de Tony Blair, Gordon Brown, quer o candidato dos Tories, o popular David Cameron, são favoráveis à reforma do Welfare State europeu. O mesmo sucede com o presidente do Partido Popular espanhol, Mariano Rajoy, forte candidato a destronar o socialista José Rodríguez Zapatero, como se viu nas recentes eleições locais e regionais.

Em Itália, esquerda e direita inscreveram a reforma da segurança social no topo da agenda política. Na Irlanda e na Finlândia mantém-se a mesma capacidade para conciliar competitividade com criação de empregos, graças à sofisticação tecnológica das duas economias e à propensão empreendedora das respectivas sociedades. Nos países nórdicos, a "flexisegurança" dinamarquesa começa a impor-se como conceito-chave das políticas de reinserção no mercado de trabalho, de (re)qualificação profissional e de protecção social.

E também no leste europeu o impulso reformista parece imparável, designadamente em áreas cruciais para a competitividade económica, como o sistema fiscal e a flexibilidade laboral.

Existem, portanto, boas perspectivas de mudança na Europa. Resta agora que a UE aponte uma via reformista do modelo social que possa ser seguida, com inevitáveis e bem-vindas nuances nacionais, pelos vários Estados-membros.

Se assim não acontecer, a Europa arrisca-se não só a claudicar no capítulo económico, designadamente perante os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), como a deixar de ser uma referência em termos de coesão e justiça social. De nada vale aos Estados-membros da UE apregoarem a superioridade moral dos valores europeus - liberdade, democracia, respeito pela dignidade do Homem, protecção social, direito ao trabalho? - se, na era da globalização, não tiverem meios para os tornar efectivos.

E Portugal? Será que o nosso país vai perder o comboio europeu das reformas do Estado-providência? Por ora, o Governo de José Sócrates tarda em tomar medidas efectivas a este nível.

Para a segurança social foram encontrados meros paliativos que, só com enormes custos para as novas gerações de pensionistas, garantem alguma sustentabilidade ao sistema. Na saúde e na educação, não existe entre os sectores público e privado aquilo que hoje se designa por "coopetição", algo que faria aumentar a qualidade dos serviços e as opções de escolha de utentes e alunos.

Num outro plano, o do mercado de trabalho, bem podem a OCDE ou o Banco de Portugal apelar a uma maior flexibilidade que o Governo, parecendo tolhido por uma mera obstinação ideológica, insiste em fazer "ouvidos moucos". Isto para não falar na carga fiscal, que aumenta de ano para ano.

Resta, pois, a esperança de que a vaga europeia de que falei há pouco acabe por arrastar o Executivo português e este tenha, assim, a audácia de pertencer ao grupo de países que avançam para uma nova política económica, política essa essencial para garantir a sobrevivência do modelo socioeconómico da Europa do futuro.

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