Opinião
Foi ontem
Feitas todas as triagens, o século XX teve três marcos: a I Guerra, a II Guerra e a queda do Muro. O século XXI, ainda agora começou, já teve um: o 11 de Setembro. Foi há cinco anos. Mas parece que foi ontem.
Sabe-se, de ciência mais ou menos certa, que os ataques terão sido imaginados e desencadeados por uma subseita que acha que os seus membros são «guerreiros sagrados». E que advoga que o Islão só terá sucesso se catapultado pela violência. Também se sabe que os atentados que mataram três mil pessoas foram planeados com três anos de antecedência, friamente calculados e meticulosamente executados, em nome e com a propalada benção do Deus que invocaram e invocam. Aqui reside o maior constrangimento, a maior impossibilidade. Não podem, nem devem, as Democracias invocar Deus para justificarem o que quer que seja que lhes respeite. Nas Democracias, em que se aparta a racionalidade da fé e em que a fé é matéria do foro privado de cada um, não se podem fazer pontes com fundamentalismos de base religiosa. Estes nem sequer compreendem as Democracias, a não ser para delas se servirem. E as Democracias não podem ceder sob pena de se suicidarem. Como Bell notou «a Democracia tornou-se uma segunda natureza, um meio de vida, um ambiente». E se assim é, como é, não pode ceder-se a quem quer destruir este nosso meio de vida. O que sucedeu há cinco anos revelou a face de uma nova internacional – a internacional terrorista. Absoluta e definitivamente incompatível com o nosso modo e meio de vida. O que de novo o 11 de Setembro mostrou é que o mundo mudou de uma maneira inimaginável. Até aos atentados, durante anos e anos, mesmo com guerras de permeio, o mundo tinha regras. Mesmo na altura da guerra fria, os dois blocos batiam-se por interesses diametralmente opostos – a liberdade, a democracia, a economia de mercado, de um lado, o homem socialista, o Estado total, a economia planificada, de outro. Mas cada bloco procurava respeitar as regras estabelecidas. E sempre que a violência subia em espiral, logo as vias diplomáticas eram postas em estado de emergência em vista de se conseguir fazer regredir a escalada. Com o 11 de Setembro, as regras foram para o lixo.
Bem sei que foi tudo tão nauseabundo que conseguiu unir. 200 mil alemães em Berlim em desfile de solidariedade, o insuspeito «Le Monde» a dizer «nous sommes tous américains», a troca da guarda do palácio de Buckingham a ouvir o hino americano. Sei tudo isso. E também que hoje, por todas as Democracias, um pouco por todo o lado, se sairá à rua, lembrando, invocando, chorando. Mas também sei, embora custe escrevê-lo, que o nosso meio de vida foi substancialmente alterado. Porque nos cinco anos transcorridos, a besta tentou outras vezes, muitas vezes. E conseguiu algumas delas. E porque todo o Ocidente se remeteu à defesa, com medo de um inimigo invisível mas permanentemente presente. E ainda porque, de cada vez que o Ocidente atacou, fê-lo mal, cheio de equívocos, dividido e tendo de ouvir um presidente mais ou menos palavroso mas quase sempre inenarrável. Nestes cinco anos o Ocidente não conseguiu cortar uma só cabeça da hidra. Feriu a besta mas não o suficiente para a desencorajar. E esteve longe de a matar. Todos sabemos que não podemos cantar vitória. Talvez por isso e seguramente porque o 11 de Setembro foi ontem, por estes dias nasceu um novo país que é um refúgio – a Nutopia. Que não tem terra, fronteiras ou passaportes. Só pessoas. Todas são embaixadores do novo país. Cuja bandeira é integralmente branca. Só se espera que este refúgio não seja uma rendição. Com todos os defeitos que têm, não há nada melhor do que as Democracias.