Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
04 de Maio de 2006 às 13:59

Efeitos de escala

Por muito que isso custe, a economia europeia e também a americana têm de se preparar para uma nova lógica de funcionamento e para um novo ciclo que conduzirão a novas lideranças nas relações económicas mundiais.

  • ...

O forte crescimento económico verificado na China é fonte de preocupação para a maior parte das economias desenvolvidas, entre as quais a portuguesa, que se sentem ameaçadas pela forte  concorrência dos produtos made in China. Mais do que um efeito conjuntural, esta situação parece inscrever-se numa tendência de longo prazo, pelo que a profundidade e a natureza dos ajustamentos  a efectuar poderão não ter paralelo com o que conhecemos da história das economias modernas.

Com efeito, assistimos, na última década, a uma expansão muito significativa do comércio mundial devido ao forte crescimento da actividade económica que se verificou em grandes países, como o Brasil,  a Rússia, a Índia e a China. Para este surto  de crescimento há que salientar o fenómeno da China que, nos últimos  15 anos, viu aumentar a sua participação no comércio mundial de 1,2 por cento, em 1990,  para 7 por cento em 2004, perfilando-se, a breve prazo,  como o  maior exportador da Ásia. Este indicador é o reflexo de uma situação objectiva: a China exporta mais de um terço do  PIB, a sua taxa de  investimento é de  cerca de 45 por cento, o consumo de cimento é metade da produção mundial, o de carvão e aço atinge mais de um terço, enquanto o de alumínio supera um quarto da produção mundial. Para além disso, em resultado do largo excedente comercial, a China detém, a seguir aos Estados Unidos, as maiores reservas bancárias em moeda americana.  Anualmente,  a China forma mais de 300 mil  engenheiros, um número superior à soma dos formados nos EUA, na União Europeia e no Japão. Desse número, uma percentagem significativa obtém os diplomas   nas universidades mais conceituadas dos EUA e da Europa.

A participação crescente da China na economia mundial provoca impactos muito significativos em todas as economias, a começar pela americana, a ponto de vários  economistas  questionarem os habituais métodos de análise usados para medir esses impactos. Tradicionalmente, a análise económica trata este tipo de fenómenos como um choque de oferta pontual  que se vai absorvendo, gradualmente, até que um novo equilíbrio de trocas comerciais adquire condições de estabilidade . Foi o que sucedeu com o Japão nos anos 60 e 70 e com os chamados Tigres asiáticos nos anos 80 do século passado. A entrada de novos países no comércio internacional, apesar de alterar a estrutura das trocas,  não era de molde a criar situações de ruptura permanente,  nem punha em causa  a liderança da economia mundial.

A questão da China pode, contudo,  ser muito diferente das situações anteriores, não só porque  os indicadores a que vamos tendo acesso estão fora dos padrões habituais, mas também porque a duração temporal do choque ameaça prolongar-se por algumas décadas. Neste caso, os efeitos da escala não serão absorvidos, como o eram  no passado, tanto  em termos quantitativos como em termos de tempo. Estaremos, então, face à emergência de  uma nova configuração da economia mundial com repercussões que vão muito para além de um novo perfil das trocas comerciais para se situar na disputa  da liderança económica mundial e, obviamente, no campo da geopolítica.

Alguns fenómenos de natureza não conjuntural apontam nesse sentido.

Em primeiro lugar, é já visível a transformação da estrutura produtiva chinesa de um economia de subcontratação e de indústrias de mão de obra intensiva para uma economia de processos integrados com elevado valor tecnológico e acolhedora das principais empresas multinacionais. A implantação de empresas dos sectores automóvel, electrónico, aeronáutico e de construção naval, a par de investimento directo estrangeiro,  reflecte-se na deterioração da balança de comércio dos EUA e do Japão com a China, o mesmo acontecendo com os países da Ásia do Sudeste.

Em segundo lugar, face  à  emergência da China como um competidor global em todos os mercados, oferecendo  produtos cada vez mais sofisticados, mais baratos e com maior  conteúdo tecnológico, mantém uma pressão constante para a baixa  dos preços e dos salários nos países industrializados. Esta tendência não se vai alterar, porque os  salários actuais, na China, constituem entre 5 a 10 por cento dos salários americanos pelo que, mesmo crescendo  a ritmos elevados, o que não é provável, estarão sempre muito longe do custo do trabalho nos países desenvolvidos. Além disso, subsiste  uma reserva de mão de obra na  metade da população activa chinesa que vive da agricultura, o que significa 300 milhões à espera de entrar no mercado de trabalho convencional.

Em terceiro lugar, o elevado crescimento da economia chinesa não pode deixar de criar movimentos especulativos nos mercados das matérias-primas e nas bolsas. Os preços das matérias primas e do petróleo têm atingido níveis muito elevados que resultam da procura e da oferta para fins de utilização e, naturalmente,  também para fins especulativos. As necessidades da economia chinesa nestes produtos não irão  abrandar nos próximos anos  pelo que as expectativas sobre a evolução dos preços não serão no sentido da baixa. Os capitais chineses ainda não marcaram   presença nos mercados bolsistas, no entanto, será de esperar que os lucros fabulosos que uma economia em franca expansão está a gerar,  tarde ou cedo,  procurem afectações nos mercados financeiros mais representativos. Nessa altura, os movimentos especulativos poderão atingir níveis nunca imaginados.

Em quarto lugar, o forte crescimento económico da China está a provocar danos ecológicos significativos,  tanto a nível local, como regional e global. Para além dos efeitos sobre a saúde da população, a não internacionalização dos impactos ambientais cria um factor adicional de concorrência  nos mercados.

Os fenómenos que foram referidos indiciam que os impactos da economia chinesa  na economia mundial assumem uma escala, em dimensão e em permanência, que não permite o retorno ao equilíbrio anterior. Por muito que isso custe, a economia europeia e também a americana têm de se preparar para uma nova lógica de funcionamento e para um novo ciclo que conduzirão a novas lideranças nas relações económicas mundiais.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio