Opinião
Segurança Social: finalmente, o início da reforma
Foram necessários oito anos, após a realização do Livro Branco, para que um Governo tivesse a coragem para anunciar, no mês de Abril passado, um conjunto de princípios a traduzir, num curto prazo, em medidas de reforma da Segurança Social.
O anúncio destes princípios suscitou uma reacção injustificada por parte de responsáveis políticos, de dirigentes sindicais e, mesmo, por uma parte dos comentadores uma vez que a situação financeira do Subsistema Previdencial não podia deixar de ser, desde há muito tempo, do conhecimento geral. Com efeito, os estudos realizados em 1997 para o Livro Branco pelo Centro de Investigação sobre Economia Portuguesa do ISEG apontavam para um cenário de desequilíbrio financeiro da conta do Subsistema Previdencial num prazo máximo de 10 anos. Esse prazo poderia ser adiado por uma dezena e meia de anos num cenário alternativo que contemplasse, entre outras medidas, o aumento da idade da reforma, a contagem de toda a carreira contributiva para efeitos da formação da pensão, a autonomização do regime dos Trabalhadores Independentes e a constituição de provisões através de um fundo público de capitalização. Os resultados foram confirmados, mais tarde, em 2000, num segundo estudo do mesmo Centro de Investigação e corroborados, em Outubro de 2005, no Relatório Técnico sobre a Sustentabilidade da Segurança Social da responsabilidade do Ministério do Trabalho e da Solidariedade que acompanhava a Proposta de Orçamento para 2006. Desde a publicitação do Livro Branco, a única medida tomada com efeitos mais imediatos foi a transferência de excedentes da conta do Subsistema Previdencial para o FEFSS - Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, com relevo para o período entre 1996 e 2000.
As medidas anunciadas pelo Governo e postas, desde segunda-feira, à discussão na Concertação Social inserem-se numa lógica de redução do crescimento da despesa do Subsistema Previdencial integrando, para além das medidas da introdução de um novo período de referência para o cálculo da pensão e do seu montante ser ponderado pela esperança de vida, um nova filosofia de actualização que faz depender o crescimento das pensões da situação económica vigente. Os novos parâmetros e as novas regras não são ainda conhecidos, mas não restam dúvidas que estas medidas vão no sentido de assegurar, por mais duas décadas, uma folga financeira. Apesar deste avanço histórico, urge interrogar-se se esta reforma é definitiva para a sustentabilidade futura do sistema, ou se não estaremos no princípio de um conjunto de reformas que possam dar ao sistema, para além da viabilidade financeira, a flexibilidade e a equidade, necessárias a um sistema público de repartição num contexto económico e social muito diferente do passado.
Pode afirmar-se, sem ambiguidade, que as medidas propostas pelo Governo dão uma resposta ao choque demográfico que vivemos, mas não respondem, de forma cabal, nem às condições económicas, nem às condições sociais mais prováveis nas próximas décadas. Com efeito, as alterações que se vêem a observar no mercado de trabalho e as novas formas de sub-emprego e de precaridade não serão suficientes para garantir um crescimento uniforme da receita do sistema, nem de molde a antecipar um baixo comportamento das taxas de desemprego. Do ponto de vista social, esta instabilidade do mercado do trabalho tem duas consequências: por um lado, coloca uma grande responsabilidade nos jovens enquanto financiadores de futuras gerações de pensionistas e, por outro lado, favorece carreiras contributivas intermitentes que são geradoras de pensões muito baixas. Neste quadro, impõe-se, a prazo, uma segunda vaga de reformas para dotar o sistema público de melhores condições de flexibilidade e de equidade. Estas condições incluem, entre outras: o alargamento da cotização às remunerações periféricas, aos recibos verdes, às gratificações e aos complementos salariais; a protecção aos baixos rendimentos através da instauração de uma pensão base de referência; a clarificação do papel cotizador do Estado enquanto empregador e enquanto garante da sustentabilidade do sistema e, finalmente, a introdução de complementos de reforma através da instauração de módulos de capitalização, individuais e ou colectivos, com garantia pública.
Um sistema público de repartição requer ajustamentos periódicos para cumprir o seu objectivo social. Naturalmente, os ajustamentos põem a claro a existência de um conflito de interesses entre as gerações actuais e as gerações futuras quanto à dimensão e qualidade das reformas. Face a este conflito, compete ao Governo redefinir as regras do jogo de tal forma que os sacrifícios que são exigidos sirvam, de forma clara e transparente, para reforçar a eficiência colectiva, a mutualização dos riscos e a equidade social do sistema público. Após tanta incapacidade política, demonstrada nos últimos vinte anos, é justo reconhecer o mérito e a coragem de quem se propõe iniciar, finalmente, a reforma da Segurança Social.