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19 de Julho de 2006 às 13:59

Dar tempo ao tempo

Passados dezasseis meses após a tomada de posse, o Governo apresentou no Parlamento, na passada semana, os resultados da sua acção governativa.

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Independentemente do juízo de valor que cada um fará dessa acção, tem de se reconhecer que as coisas mudaram muito para além de uma mera tecnologia de poder e, nalgumas áreas da governação, há situações que já não voltarão a ser aquilo que foram. Naturalmente, se muitos dos resultados das reformas iniciadas só poderão manifestar-se no médio e longo prazos, não é menos evidente que, em algumas áreas do sector público, uma profunda mudança já se faz sentir. Também, a nível da economia, num contexto internacional de crescimento elevado do preço petróleo e, ultimamente, também de aumento das taxas de juro, a saída da estagnação para um crescimento positivo deve ser assinalada.

A crédito da acção governativa está, em primeiro lugar, a estratégia de redução do défice orçamental, sustentada por um conjunto de reformas, tendentes a racionalizar a administração pública, a reduzir o desperdício e a construir um relacionamento dos serviços públicos com o cidadão, eficiente e compatível com um Estado moderno. Menos avançada e ainda insuficientemente clarificada se encontra a reforma da justiça - provavelmente, a maior de todas as reformas do Estado - com implicações no funcionamento do mercado e das empresas e imprescindível para que os cidadãos reconheçam que vivem num Estado de deveres, mas também de plenos direitos.

Em curso está a aplicação do Plano Tecnológico, inserido numa estrutura de coordenação da Estratégia de Lisboa. Naturalmente, oito meses após a sua aprovação, não seria razoável fazer um balanço das medidas já realizadas e de resultados concretos. Fica, no entanto, a ideia que medidas do Plano que dependem unicamente do Estado para a sua concretização se encontram já no terreno, enquanto aquelas que resultam de processos de coordenação com os agentes económicos, em particular com as empresas, e com as instituições de Ciência e Tecnologia ainda demoram. E será com as empresas que se definirá o êxito ou o falhanço desta iniciativa. As ambições do Plano são muito vastas e representam o que parece constituir, neste momento, o único instrumento de política económica capaz de mudar o perfil do investimento e do emprego e, por conseguinte, criar condições para um crescimento sustentado.

No imediato, no domínio da política económica, o Governo dificilmente poderia ter feito melhor que tentar inverter uma tendência pessimista generalizada e recuperar a confiança dos agentes económicos. No entanto, a prazo, vai exigir-se que existam ideias claras quanto à promoção da qualidade do investimento e do emprego, numa economia que se pretende mais competitiva tanto interna, como externamente. Por razões que são compreensíveis, o governo tem privilegiado, nestes dezasseis meses, os grandes projectos, privados e públicos, alguns em fila de espera desde há anos, tanto na área do turismo, como nas infra-estruturas de transporte e de energia. Estes projectos são importantes, mas não podem constituir os factores decisivos de crescimento sustentado numa economia baseada no conhecimento. Há que tornar mais explícitas as políticas destinadas a promover o investimento de qualidade, tanto físico, como humano ou imaterial, dirigidas prioritariamente para as pequenas e médias empresas. São estas que permitem desenvolver e cultivar o espírito empresarial, criar emprego qualificado e, como a experiência tem mostrado desenvolver produtos e processos inovadores. Num País em que os grandes grupos económicos se concentram no sector dos bens e serviços não transaccionáveis, desde a distribuição, o turismo, passando pelo imobiliário, construção civil e recursos naturais, não se pode esperar nem investimento de qualidade, nem inovação, nem emprego qualificado. Isto, pela simples razão, que nem a pressão do mercado nacional, nem a natureza dos processos tecnológicos e dos bens e serviços oferecidos por esses sectores constituem incentivo bastante para promover uma integração competitiva na economia global. Assim, a aposta na competitividade, no caso concreto do nosso País, só pode passar pelas pequenas e médias empresas porque são estas que contribuem para a flexibilidade e resiliência da economia e são o melhor veículo da inovação tecnológica. E esta aposta para ser ganha demora a ser concretizada.

Neste período de dezasseis meses, na área económica, a preocupação do Governo parece ter sido o conseguir tirar a economia da estagnação e atingir um crescimento positivo. Este objectivo está em vias de realização e, naturalmente, tem de ser levado a crédito da acção governativa, no entanto o caminho a percorrer para se alcançar um crescimento sólido e sustentado será, ainda, longo e difícil. Por isso, para além de reconhecer, para já, mérito ao Governo, há também que dar tempo ao tempo, para que não se repita, em termos de crescimento económico, um período tão desastroso para o País como o que se viveu entre 2001 e 2005.

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