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21 de Dezembro de 2005 às 13:59

O medo de agir

Não seria concebível que o País se recusasse a participar num projecto europeu – a Rede Transeuropeia de Transportes – quando a Espanha está em vias de integrar todo o seu território nessa rede.

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O Governo apresentou nas últimas semanas, em sessão pública, dois grandes investimentos a realizar nos próximos dez anos: a construção de um Novo Aeroporto para Lisboa e a introdução da Alta Velocidade entre Lisboa e Badajoz-Madrid e entre Lisboa e Porto. A decisão do Governo de avançar, já, com estes projectos era previsível, pois constavam não só das promessas eleitorais e do Programa do Governo, mas também já haviam sido inscritos tanto no Programa de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias de Junho de 2005, como no Orçamento de Estado para 2006.

A discussão pública sobre a realização destes dois projectos não foi, contudo, esclarecedora. As intervenções e manifestações de posição, veiculadas pelos «media», constituíram uma demonstração de capacidade para desprezar o fundamental, privilegiar o acessório e, sobretudo, misturar argumentos de índole muito diversa. Em projectos desta natureza, a questão a que importa responder, nesta fase, é a de saber se são necessários e vantajosos para a Economia Portuguesa e, também, se a sua não concretização e consequente opção por soluções provisórias implicam maiores custos para o País. Se a resposta for afirmativa então há que escolher, numa fase seguinte, projectos concretos a submeter a uma análise custo-benefício em que, naturalmente, são contempladas variantes de soluções técnicas, de localizações específicas, de modelos de financiamento, de impactos ambientais e de modelos de gestão.

Também, os estudos elaborados com a finalidade de preparar a decisão estratégica falharam, em parte, no objectivo de abordar a questão de forma simples e compreensível para o não especialista. Teria sido, porventura, mais importante concentrar-se em argumentos que justificassem a necessidade, ou não, dos projectos e não invocar aspectos técnicos, ou mesmo financeiros, que a dez anos de distância se revelam de pouco interesse. A opção pela realização tem de assentar em razões que tenham a ver, prioritariamente, com o futuro do País e com o bem estar dos seus cidadãos. No nosso entender, essas razões resumem-se a quatro áreas.

Em primeiro lugar, os projectos devem avançar por razões estritamente políticas, em particular, a Alta Velocidade. Não seria concebível que o País se recusasse a participar num projecto europeu – a Rede Transeuropeia de Transportes – quando a Espanha está em vias de integrar todo o seu território nessa rede. Recusar significaria optar por um isolamento físico ainda maior, num momento em que o centro de gravidade da União Europeia se está a deslocar para Leste.

Em segundo lugar, por razões económicas que são, naturalmente, as decisivas. As infra-estruturas físicas de transporte constituem, a par das infra-estruturas de informação, o factor decisivo da competitividade territorial das regiões e das áreas metropolitanas. A integração territorial do País e das suas regiões na Península depende das acessibilidades para criar mercados menos localizados, mais homogéneos e, por conseguinte, mais competitivos.

Neste momento, a única região competitiva portuguesa na Península Ibérica é a região de Lisboa, sendo a única a poder disputar no futuro investimentos e negócios com Madrid e Barcelona. Num contexto de mundialização e de metropolização das economias, são as infra-estruturas deste tipo que vão permitir integrar os pólos mais dinâmicos da economia portuguesa nas redes de troca europeias e mundiais. O Novo Aeroporto de Lisboa é um factor essencial de competitividade da região de Lisboa, um pólo emissor de desenvolvimento cujos efeitos se vão difundir sobre um largo território.

Por sua vez, a Alta Velocidade vai servir a região entre Lisboa e Porto, onde vivem mais de três quartos da população portuguesa e, numa segunda fase, ligar toda a faixa litoral à Espanha. Os futuros projectos, em conjunto com as infra-estruturas existentes, vão permitir reestruturar e racionalizar a distribuição e a logística através de novas plataformas.

Em terceiro lugar, os novos projectos são necessários por razões tecnológicas. A introdução da Alta Velocidade representou um salto qualitativo no transporte ferroviário na Europa, bem adaptado à densidade geográfica e às distâncias entre as principais aglomerações. É impensável que, após a Espanha ter aderido, por inteiro, à bitola europeia, Portugal pudesse conservar a bitola ibérica, mantendo-se à margem desta renovação.

Em quarto lugar, estes projectos terão um impacto positivo na segurança, no ambiente e na qualidade de serviço aos consumidores, em comparação com as infra-estruturas existentes, congestionadas e em fim de ciclo de vida.

Naturalmente, estes projectos envolvem recursos avultados e com um custo de oportunidade elevado. Não constituem, para já, uma condição suficiente para que a economia cresça no imediato, mas são uma das condições necessárias para o seu crescimento no longo prazo. Por isso, não há que ter medo de agir.

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