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Opinião
18 de Janeiro de 2006 às 13:59

O público e o privado

Num mercado sem anonimato e sem concorrência e onde os recursos são escassos, a luta pela partilha do excedente e pela busca de rendas assume um papel dramático em que todos os argumentos são válidos.

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As peripécias recentes  dos casos  GALP e EDP colocaram,  uma vez mais,  a questão do público e do privado  na agenda política  nacional. Ainda não há muito tempo,  a análise do Tribunal de Contas sobre as Parcerias Público Privadas nas auto-estradas e na saúde e a contestação da  Alta velocidade e do Novo Aeroporto de Lisboa  suscitaram  opiniões diversas sobre o âmbito das esferas  pública e privada na economia e,  também, sobre a natureza das relações formais e informais  entre agentes públicos e privados. Esta  discussão é, igualmente,  actual  na Europa onde,  após a vaga de liberalização,  continuam a surgir  interrogações sobre  o papel  do público e do privado em economias mistas, o que faz supor que a questão não está definitivamente consolidada. Porém, ao contrário do que acontece lá fora, onde as  posições são fundamentadas e  acessíveis ao grande público, entre nós, a discussão   pauta-se,  na generalidade, por um excesso de retórica,  por  argumentos  supostamente  especializados e, não raras vezes, por meias verdades.

A história, ainda em curso,  dos  casos da GALP e da EDP, para lá dos faits divers,  é ilustrativa desta discussão a que junta, ainda,   o velho sonho de manter os centros de decisão dos  sectores estratégicos  da economia em   mãos  nacionais. Será que faz sentido, no século XXI,  alimentar, ainda, o desígnio do capitalismo nacional?

Para responder a esta interrogação importa abordar, pelo menos,  duas questões. A primeira é de saber se,  numa economia que integra  um mercado único,  faz sentido falar de  sectores estratégicos e,  se sim,  qual o seu conteúdo.? Numa  segunda questão, se a resposta  for afirmativa,  importa discutir  a relação do Estado com as empresas desses  sectores, num quadro compatível com a lei da União Europeia.

Se partirmos do princípio que sector estratégico é aquele cuja importância económica e ou social é tão significativa para o País e para os seus cidadãos que adquire uma dimensão política , a ponto de   serem prevenidas quaisquer falhas de mercado,  então não parecem restar dúvidas que actividades como o abastecimento e a distribuição de água, o abastecimento do País em  combustíveis,  as redes  de distribuição de electricidade e de gás,  os sistemas de transporte estruturantes, como  aeroportos e portos, a rede ferroviária,  entre outros, mas também  os sectores sociais constituem actividades estratégicas. Estas actividades têm características tanto  de   infra-estruturas geradores  de externalidades positivas, como de   fornecedoras de bens e serviços, em ambiente de reduzida concorrência, com  obrigações de  serviço público ou de interesse económico geral. Independentemente do país e do regime económico estes sectores estão, por razões de eficiência e de justiça social, sujeitos  a uma intervenção pública. 

A segunda questão refere-se à natureza  da intervenção do Estado nos sectores estratégicos. Deve o Estado   manter um verdadeiro poder de decisão, directo através  da propriedade e gestão das empresas ou indirecto através de contratos de concessão e do processo   regulatório, no caso da propriedade  ou a gestão se pautarem por critérios de mercado?

A União Europeia  não obriga a que essas indústrias  sejam privadas ou de gestão privada, no entanto, obriga a que, independentemente da sua propriedade, estejam sujeitas ao direito  europeu da concorrência. Perante este quadro o Estado  tem   duas saídas: ou mantém o controlo accionista das empresas dos sectores estratégicos, responsabilizando-se pela sua gestão ou, então,  privatiza ou concessiona  os serviços ao sector privado segundo as normas da contratação pública vigentes na U.E.. Subsistem, porém,  dois riscos: o controlo público gera muitas vezes problemas de ineficiência  e a privatização,  em ambiente concorrencial, pode colocar as empresas sob domínio  do capital estrangeiro.

Naturalmente,  qualquer Estado e também o Português gostariam de receber o dinheiro da privatização e ou da concessão e continuar a mandar nas empresas, seja mantendo uma posição accionista  minoritária, mas suficientemente importante,  seja recorrendo à golden share. Como estes artifícios não são sustentáveis, a solução desejada  estaria no controlo   destes sectores   por  capitalistas nacionais, patriotas e eficientes.

Esta solução poderia ser  viável, entre nós,  se os empresários portugueses se transformassem  em empreendedores competitivos, abdicando  da obtenção de rendas e ou da busca de mais valias no curto prazo. Ora,  a experiência recente ensina que  milagres deste teor  não acontecem com frequência.

Assim, por muito que custe aos bem intencionados, se é que os há,  num mercado  concorrencial e com um sistema financeiro  liberalizado, o dilema que o Estado enfrenta não admite ilusões:  manter  o controlo, através da propriedade pública, total ou maioritária, das empresas estratégicas ou, então,  optar pela privatização sabendo que a lógica empresarial se sobrepõe, sempre,  a sentimentos nacionais.

É este o fundo da questão, que faz correr tanta tinta e que, para além de  posições éticas e ideológicas, não consegue esconder  negócios chorudos, dificilmente  disfarçáveis numa sociedade onde os agentes económicos se conhecem pelo nome  ou,  mesmo,  pelo restaurante que frequentam. Num mercado sem anonimato e sem concorrência  e onde  os recursos são escassos,  a luta pela partilha do excedente e  pela busca de rendas assume um papel dramático em que todos  os argumentos são válidos,  em que o mais visível   é   tirar do armário o fantasma castelhano, agora disfarçado em espanhol.

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