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01 de Março de 2007 às 13:59

É organização, estúpido!

O Luxemburgo, uma das capitais europeias da União, onde têm sede os tribunais comunitários, mas também dezenas de bancos de todo o mundo, incluindo o Banco Europeu de Investimentos, onde me encontro agora a trabalhar regularmente, tem sobretudo observado,

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O Luxemburgo, uma das capitais europeias da União, onde têm sede os tribunais comunitários, mas também dezenas de bancos de todo o mundo, incluindo o Banco Europeu de Investimentos, onde me encontro agora a trabalhar regularmente, tem sobretudo observado, de longe ou de aqui tão perto, grandes diferenças de cultura e de mentalidade em relação a Portugal.

É que o Luxemburgo é o país mais desenvolvido dos vinte e sete, com baixos níveis de inflação e de desemprego, uma espécie de Suíça da União Europeia, e mesmo do mundo, porque em 2005 possuía o maior Produto Interno Bruto per capita do planeta.

Esta riqueza foi, até há pouco tempo, devida ao sector industrial do aço e, posteriormente ao ramo químico e borracha. A antecipar o declínio da era industrial, a aposta foi feita no sector financeiro, o qual corresponde aproximadamente a 22% do PIB. Tudo isto não obstante a independência recente do Luxemburgo, a qual data apenas, de forma reconhecida, de 1867, após séculos de conquistas e de governos de Estados estrangeiros e do país ter sido repetidamente atacado pela Alemanha no século passado, o que o levou a abandonar a sua política de neutralidade depois da Segunda Guerra Mundial, quando se tornou num membro fundador da NATO, das Nações Unidas e das Comunidades Europeias.

Não admira, assim, que 26% da população seja estrangeira, sendo a portuguesa a maior colónia, a representar um peso impressionante de 13% dos cidadãos residentes. Contou-me um luxemburguês, dos poucos que ainda se conseguem encontrar, que a razão se deveu ao facto de nos anos cinquenta ter existido um bispo com visão política projectada no tempo, que perante a eminência de o país se ter de abrir a vagas de emigração de outros países, designadamente do Magreb, preferiu escolher, felizmente para nós, um Estado de raiz católica, no caso Portugal.
E por isso, fazendo, de forma inevitável, e quase quotidiana, as respectivas comparações, as diferenças aparecem gritantes, sobretudo em termos de organização e trabalho. Por outro lado, se conseguirmos, através dos bons exemplos como este, perceber onde divergimos, talvez se encontrem aqui as causas respectivas, bem como os remédios consequentes para o nosso país.

É verdade que a diferença principal tem a ver com a cultura laboral que implica o cumprimento de horários e a resposta atempada, o que tem como consequência, uma produtividade muitíssimo superior à nossa. Com efeito, um dia do meu trabalho no Luxemburgo rende-me mais que uma semana neste nosso Portugal. Tudo porque nos pequenos detalhes as pessoas correspondem, quando, por exemplo, uma reunião ou entrevista começa e termina à hora indicada. Mas mais. Tudo é respeito nos mais pequenos detalhes e revertem-se as chamadas e dão-se respostas atempadas às questões colocadas, quaisquer que elas sejam. Isto acontece a todos os níveis, não só como sinal de boa educação e respeito pelo tempo e trabalho dos outros, mas sobretudo como cultura endémica de reverência pelo trabalho de cada um.

Não existem, genericamente, muros de silêncio como acontece aqui pelo burgo, nesta nossa cobardia mesquinha e quase atávica repleta de medos de transmitir más notícias, como que com medo da morte do mensageiro. O mais problemático é que isto acontece em Portugal a todos os níveis, como cultura de desprezo pelo tempo e trabalho dos outros. Pior. Percorre horizontalmente os gabinetes dos poderosos, passando pelas simples profissões liberais de um qualquer médico ou advogado, com horas infindáveis de espera nos consultórios, até chegar ao mais obscuro funcionário que nunca está, porque não chegou ou já partiu.

Claro que no meio de tudo isto existem alguns exemplos a contrariar o panorama geral que é muito sombrio, sobretudo com empresas privadas que já perceberam que o respeito do outro, sobretudo se este for o cliente, é um factor de competitividade. Refiro apenas a título de exemplo, a empresa portuguesa de transportes Urbanos que me fez a mudança para o Luxemburgo. A postura, o profissionalismo e eficiência, o tratamento personalizado que exibiram, ombreiam com o que de melhor se faz na Europa e demonstram-nos, numa versão optimista, que talvez um dia consigamos seguir as pisadas das melhores práticas europeias.

É tempo de começar a inserir nos curricula escolares disciplinas de organização e métodos, mas sobretudo de ética e de deontologia, o que tem a ver, sobretudo, com o respeito pelo tempo e a vida dos outros. Mais importante que quaisquer planos tecnológicos, ou outros, para Portugal, ou quaisquer avanços na economia, é a criação de uma cultura de organização e de respeito pelo trabalho de todos. Só que o exemplo, como sempre, convém que venha de cima.

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