Opinião
E depois do adeus
Saiba o que valem as cláusulas que impedem o trabalho na concorrência.
Saiba o que valem as cláusulas que impedem o trabalho na concorrência.
Um dos temas mais quentes no processo de mudança profissional nalguns sectores de mercado está intrinsecamente ligado às cláusulas de limitação de trabalho em determinadas empresas concorrentes, após a saída de determinado colaborador de uma organização.
O dever de lealdade é uma das principais obrigações laborais a que os trabalhadores se encontram adstritos. O dever de lealdade compreende, por um lado, o dever de não concorrência - o trabalhador não deve negociar, por conta própria ou alheia, em concorrência com o empregador - por outro, o dever de confidencialidade - o trabalhador não deve divulgar informações referentes à organização, método de produção e negócios do empregador. Apesar de o dever de lealdade se encontrar previsto na legislação laboral, é comum encontrar cláusulas de não concorrência e confidencialidade nos contratos de trabalho, cuja violação, durante a sua vigência, implica geralmente pagamento de indemnizações.
Diferente questão, que se coloca também com regularidade, é a legalidade de cláusulas contratuais, em contratos de trabalho, que limitem o exercício da liberdade de trabalho após a cessação dos contratos de trabalho. Ou seja, cláusulas contratuais que proíbam um trabalhador de prestar trabalho para empresas concorrentes após a cessação do seu contrato de trabalho.
A legislação laboral portuguesa prevê a nulidade de qualquer cláusula que limite a liberdade de trabalho após a cessação do contrato de trabalho. Contudo, é permitida tal limitação desde que cumpridos os seguintes requisitos cumulativos: (i) a limitação conste de acordo escrito, nomeadamente em contrato de trabalho ou acordo de revogação; (ii) a actividade cujo exercício está condicionado possa causar efectivo prejuízo ao empregador; (iii) seja atribuída ao trabalhador uma compensação pelo período em que a sua actividade esteja limitada; (iv) a limitação apenas é possível pelo período máximo de dois anos, ou três anos, em situações de exercício de actividades de especial relação de confiança ou acesso a informação particularmente sensível.
Ainda neste âmbito, com vista a evitar limitações ao exercício da liberdade de trabalho, o Código do Trabalho prevê, ainda, a nulidade de qualquer acordo celebrado entre empresas e empregadores que proíba a admissão por uma empresa de trabalhadores pertencentes ao quadro de pessoal de outra. Neste âmbito, é igualmente nula a cláusula que obrigue ao pagamento de uma indemnização em caso de admissão de um trabalhador nessas condições.
Importa notar que, não obstante esta contingência legal, é comum encontrar em contratos de prestação de serviços celebrados entre duas empresas, os quais impliquem a utilização de recursos humanos para cumprimento do objecto do contrato, cláusulas que proíbam as empresas de contratar os trabalhadores das outras. Estas cláusulas têm habitualmente um efeito dissuasor, não obstante a sua nulidade.
Em suma, são permitidas cláusulas contratuais que proíbam o trabalhador de prestar trabalho em empresas concorrentes, durante a vigência do contrato de trabalho, aliás, tal decorre de uma obrigação laboral a que o trabalhador se encontra adstrito. No entanto, apenas em circunstâncias muito especiais são permitidas cláusulas contratuais que limitem o exercício da actividade profissional após a cessação dos contratos de trabalho e os empregadores não podem, entre eles, celebrar acordos que visem a limitação da liberdade profissional dos trabalhadores.
Assim, juridicamente, o accionar de processos contenciosos por parte de uma empresa contra um ex-colaborador, para além dos recursos investidos na contenda e do longo tempo processual expectável, mais não vem do que (anti)pedagogicamente passar uma mensagem dissuasora aos restantes colaboradores que podem ou não ponderar seguir o mesmo trajecto.
Porém, a sua instauração como prática corrente poderá ser financeiramente prejudicial para a organização no caso (provável) de sentenças adversas, para além de poder também criar uma imagem de litígio infundado e semear uma gestão de recursos humanos fundada na austeridade e com investimento de tempo e recursos contra pessoas já externas à organização, em oposição àquelas que internamente clamarão investimentos no presente, sejam eles tecnológicos, estruturais, expansionistas ou mesmo formativos e centrados no desenvolvimento de quem está e não de quem partiu.
Depois do adeus, ao invés de investir num processo contra o futuro de um determinado profissional, uma empresa deve perceber que não está mais do que a protelar causas do passado em detrimento de quem está presente.
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