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04 de Dezembro de 2006 às 13:59

Desafios para uma revisão do Código do Trabalho

No propósito de elaborar propostas a acolher na revisão do Código do Trabalho, foi recentemente empossada pelo governo de José Sócrates a Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, presidida pelo eminente jus-laboralista Monteiro Fernandes.

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O mundo mudou muito na última década e, como tal, são vários os desafios ao Direito Trabalho em Portugal. A globalização, a intensificação da concorrência internacional geram fortes mudanças no espaço social, político e económico – mundial e nacional – que se repercutem, naturalmente, no domínio deste ramo de Direito. As empresas tendem a reivindicar um direito laboral flexível, capaz de responder à necessidade de melhorar a sua racionalidade e de permitir uma melhor adaptação às flutuações do mercado. Ora o Direito do Trabalho – que apresenta por excelência uma vocação normativa procurando conciliar quer interesses económicos (ligados ao empregador/empresário), quer interesses sociais (ligados aos trabalhadores) – tem granjeado manter um são relacionamento com esta dupla de interesses. Daí que não possa deixar de ser considerada positiva a sua revisão amiúde, ainda que parcial e/ou pontual, uma vez que as alterações atempadas à lei laboral, incidindo em aspectos decisivos, podem ter impactos significativos no emprego, no bem-estar social das pessoas, e na economia.

Em Portugal, no âmbito da definição de novas políticas sociais, é fundamental responder, entre outros, a três grandes desafios: aumentar a qualidade e a qualificação do trabalho e do emprego; facilitar a adaptação das empresas aos desafios da concorrência internacional; e transformar o trabalho num factor de imunidade contra a pobreza.

O primeiro desafio exige que se reconheça a gravidade do problema da qualificação em Portugal: há 2,5 milhões de pessoas que não dispõem da escolaridade obrigatória e a percentagem de trabalhadores que têm acesso à formação profissional é muito inferior à da média comunitária. Assim, a economia está longe de poder ser competitiva. As empresas necessitam hoje dos melhores recursos humanos, ou seja, de trabalhadores informados, dotados de iniciativa e de autonomia. E estas qualidades aumentam à medida que aumenta a qualificação do trabalhador. Desde logo, torna-se imprescindível fazer com que os jovens que chegam ao mercado de trabalho sem a escolaridade mínima obrigatória, ou sem uma qualificação profissional reconhecida, adquiram uma qualificação mínima. Depois, é preciso promover uma lógica de desenvolvimento de competências – adquiridas na escola e/ou na empresa – através da formação contínua, garantida pela frequência de um mínimo anual de horas de formação certificada. Este esforço terá repercussões positivas ao nível da produtividade no trabalho, pois um trabalhador com um portfolio de competências diversificadas e enriquecidas (por exemplo, pelo acesso à formação tecnológica) assegurará uma performance muito superior no trabalho do que outro trabalhador sem este perfil.

Em segundo lugar, e no intuito de facilitar a adaptação das empresas a novos desafios, é decisivo procurar novas formas de combinar direitos e deveres – quer das empresas, quer dos trabalhadores – que tornem mais motivadoras as relações laborais. Hoje em Portugal, como noutros países da União Europeia e do mundo, o repto é o de encontrar um virtuoso equilíbrio entre flexibilidade e segurança e a resposta a este desafio passa por materializar uma estratégia modernizadora para a legislação laboral, capaz de conciliar os direitos dos trabalhadores com o aumento da capacidade de adaptação das empresas aos desafios da competitividade.

Por fim, é preciso tornar o trabalho um factor de cidadania social e prevenir situações de pobreza associada ao trabalho. Urge responder à desigualdade de oportunidades quer no acesso ao emprego, quer no decurso da relação de trabalho – por exemplo, entre homens e mulheres, entre jovens e seniores – que acentuam a segmentação do mercado de trabalho. E, com vista a uma maior equidade social, será desejável conceber novos direitos sociais (que promovam a conciliação profissão/família), mas também novos deveres sociais (que promovam o regresso ao emprego). E porque Portugal não pode continuar a ser um dos países europeus em que a pobreza e a desigualdade entre os que trabalham é maior, é decisivo contrariar a ideia – que já cresce junto de alguns - de que "a trabalhar se empobrece" e de que é através de recurso a práticas ociosas (muitas vezes ilícitas) que se enriquece. Em prol de uma maior coesão social é, pois, premente revalorizar o trabalho.

A este conjunto de novas políticas sociais acresce a necessidade de efectivar a resposta a um outro desafio: que se actue de forma preventiva sobre o desemprego oriundo das deslocalizações, quer dissuadindo as empresas desta prática nociva para a sociedade e a economia portuguesa, quer assegurando uma justa eficácia reparadora junto dos trabalhadores.

Termino com duas breves considerações. Para uma reforma bem sucedida – muito embora possa ser orientada por "modelos inspiradores" – é imperioso que se considerem as especificidades socio-económicas de Portugal, nomeadamente o poder de compra da maioria da população; a distribuição salarial e a média salarial nacional; as formas contratação dominantes; a situação, a médio prazo, de sustentabilidade do sistema público de Segurança Social. Depois – e porque uma reforma que se limite a actuar só sobre a "substância" nunca será bem sucedida – é preciso, concomitantemente, reforçar a efectividade do Direito do Trabalho, impedindo uma preocupante "cultura de incumprimento". Esta será também uma condição para que a utilidade desta iniciativa não se esboroe de forma inglória.

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