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30 de Abril de 2023 às 21:42

“Costa tem de substituir Galamba e dar uma explicação cabal ao país”

No seu espaço de opinião na SIC, Marques Mendes fala da “gestão catastrófica” do Governo na polémica da TAP e afirma que o ministro das Infraestruturas tem de sair. O caso “parece de um país do terceiro mundo”, atira.

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ECONOMIA A CRESCER, INFLAÇÃO A BAIXAR

1. A gestão política do Governo, como se tem visto, tem sido catastrófica. Ao contrário, na economia há resultados bem positivos.

• Segundo o INE, o PIB cresceu 1,6% no primeiro trimestre do ano face ao último trimestre de 2022. Em variação homóloga, 2,5%. Um resultado que é dos melhores na UE e muito acima da generalidade das previsões.

• Para tal muito contribuiu o crescimento das nossas exportações, na ordem dos 13%. Já depois do crescimento histórico de 2022. As empresas exportadoras estão a fazer a grande reforma estrutural da economia.

• Ainda segundo o INE, a inflação teve em abril uma queda relevante: está agora nos 5,7%, com um grande contributo da queda dos preços da energia.

2. Nos bens alimentares, os sinais não são tão significativos. Mesmo assim, há indicadores na boa direcção.

• O Cabaz Alimentar da DECO Proteste, com 63 produtos essenciais, regista uma descida de preços há 4 semanas consecutivas. E o próprio INE sublinha que, nos produtos alimentares, se verificou em Abril uma desaceleração no aumento dos respectivos preços.

• Não é fácil as pessoas sentirem já melhorias. Mas os números registam uma tendência positiva.

NOVA POLÉMICA NA TAP

1. O dossier TAP não pára de nos surpreender. É sempre a piorar. O que sucedeu desta vez não é só bizarro, surreal, caricato e rocambolesco. Parece de um país do Terceiro Mundo. Primeiro, temos um caso político: de novo, imaturidade, irresponsabilidade e mentiras. Depois, temos um caso de polícia: meteu PSP, PJ, SIS, acusações de roubo e sequestro, agressões e queixas-crime. Parece um caso de "faca e alguidar" dentro de um Ministério. Finalmente, um caso de abuso de poder no Estado: a utilização ilegítima dos Serviços Secretos.

2. Analisando por partes:

• João Galamba não tem condições para continuar no governo. É um ministro sob suspeita e sem autoridade. Está seriamente acusado por um ex-assessor de querer mentir à comissão parlamentar de inquérito (CPI). É o responsável pela participação da CEO da TAP numa reunião ilegítima, para combinar perguntas e respostas à Assembleia da República. Tutela o Ministério que deu ao país um dos espetáculos mais deprimentes de degradação da imagem do Estado. E abusou do poder, ao chamar os Serviços de Informação. Se, depois de tudo isto, não acontecer nada, não se surpreendam que o populismo cresça e o Chega suba nas sondagens.

• António Costa tem o dever de agir. Não se pode esconder mais atrás dos ministros. O que se está a passar no caso TAP não é culpa da comissão de inquérito, da oposição, do Chega, dos jornalistas ou comentadores. É só culpa do Governo. É uma crise dentro do Governo. O primeiro-ministro não pode deixar de fazer três coisas: exercer a autoridade, substituir o ministro e dar uma explicação cabal ao país.

• Marcelo Rebelo de Sousa não pode deixar de intervir se o primeiro-ministro nada fizer. Não é para usar a "bomba atómica". Mas é para usar as armas convencionais de que o Presidente dispõe. Obrigando o primeiro-ministro a pôr ordem na casa e a explicar-se ao país. Já há desordem a mais. A imagem do Estado e da democracia está a degradar-se seriamente. O Presidente da República não pode fazer de conta. Com António Guterres, num caso de gravidade similar (o caso Fundação Prevenção e Segurança) o Presidente Jorge Sampaio "obrigou" à demissão do então Ministro Armando Vara.

3. Finalmente, a intervenção dos Serviços Secretos. O mais grave dentro de toda a gravidade do caso. Como já vários juristas disseram, o SIS não podia intervir neste caso. O SIS não pode substituir-se às polícias. Fica, pois, a suspeita de os Serviços Secretos terem sido "usados" pelo Governo de forma ilegal e ilegítima. Ora, os Serviços de Informações são do Estado. Não são dos Governos. Impõe-se, por isso, uma explicação cabal do primeiro-ministro. É dele que dependem os Serviços de Informações. Aqui, temos que ver até onde vai a gravidade do que sucedeu e quem, além de Galamba, tem outras responsabilidades a assumir.

REMODELAÇÃO À VISTA

1. Em entrevista ao Público, Carlos César considerou o caso TAP caricato e impróprio do Governo. E advogou uma remodelação geral governativa. É de saudar a lucidez do Presidente do PS. Ele é dos poucos socialistas que está a perceber bem a gravidade do que se está a passar.

2. Alguma remodelação vai ter de acontecer. Desde logo, a saída de João Galamba. Tenho dúvidas é quanto á eficácia da solução:

• Primeiro, porque o problema central do Governo está no primeiro-ministro. António Costa já não é o que era. Perdeu autoridade e liderança. E isto não se resolve substituindo ministros. Só se resolve com o primeiro-ministro a mudar de comportamento. É preciso autoridade, liderança e coordenação.

• Segundo, porque, apesar de haver vários Ministros que precisam de sair, não há pessoas de qualidade e prestígio que queiram entrar num Governo em queda, desgastado e em fim de ciclo.

• Terceiro, porque o desgaste de quase oito anos de governação não se resolve só com remodelações. De resto, já houve várias e foi quase sempre a piorar.

3. Uma coisa, porém, é certa: ou o primeiro-ministro pára a degradação política que vai no Governo ou a dissolução da AR vai tornar-se inevitável, mais ano, menos ano. Por responsabilidade do próprio Governo. Eu não acho uma boa solução, nem para a democracia, nem sequer para o PSD. Mas é impossível manter este grau de degradação política durante mais três anos e meio.

OS "CASOS" DO 25 DE ABRIL

1. Entre cerimónias públicas e conversas privadas, pouca gente saiu bem das cerimónias do 25 de Abril. O Chega e o PAR foram os piores. Os Deputados do Chega comportaram-se como verdadeiros hoolingans políticos. A única preocupação que tiveram foi a de "abandalhar" o Parlamento. Nesse momento, Santos Silva esteve bem, ao tentar pôr ordem na casa.

2. A partir daí, talvez deslumbrado consigo mesmo, Santos Silva teve afirmações e atitudes inacreditáveis:

a) Fez comentários desprimorosos sobre a IL. Mesmo em conversas privadas, um PAR não pode fazer comentários destes. Nem à mesa do café o Presidente da Assembleia deixa de ser Presidente.

b) Proibiu os Deputados do Chega de viajarem consigo nas viagens ao exterior. Os Deputados do Chega podem ter muitos defeitos. Mas foram eleitos pelo povo. Excluí-los de viagens onde deve imperar o pluralismo é um gesto de autoritarismo. Santos Silva é o Presidente da AR. Não é o dono da AR.

c) Admitiu sanções disciplinares e penais para os Deputados. Outro exagero. São tiques socráticos. Só servem para vitimizar o Chega e alimentar o seu crescimento.

3. Do mesmo modo que sempre disse que o PSD devia "cortar" com o Chega, também digo agora que o PS devia deixar de o alimentar politicamente. O PS está a ajudar a criar um MONSTRO. No curto prazo dá-lhe jeito: enquanto dá palco ao Chega, tira-o ao PSD; enquanto discute com o Chega, desvia as atenções dos problemas da governação. Isto é no curto prazo. No médio e longo prazo, é fazer do Chega um MONSTRO que ninguém depois sabe parar. Já sucedeu o mesmo em França com a FN. É muito mau para a democracia.

A CARGA FISCAL EM PORTUGAL

1. Com a "novela" da TAP e o ruído em torno do 25 de Abril, o país não se apercebeu de um relatório muito preocupante da OCDE sobre a carga fiscal. Estamos a pagar impostos a mais e isso impede o crescimento dos salários.

• Segundo a OCDE, a nossa carga fiscal é de 37,5%, muito acima da média da organização (29%). Pior do que nós só cinco países: Bélgica, Alemanha, França, Suécia e Finlândia. Todos eles Países muito mais ricos do que nós. Pagam impostos altos, mas também têm salários altos.

• Ou seja, temos o pior de dois mundos: em matéria de crescimento económico estamos no fim do ranking europeu; em matéria de maior carga fiscal estamos nos primeiros lugares da tabela.

2. Pior ainda que a carga fiscal é o esforço fiscal relativo. Este é o critério que "mede" a carga fiscal face ao nível de vida de cada país, em função do PIB per capita. Aqui, se antes estávamos mal, agora estamos bem pior.

• No ano 2000 tínhamos um esforço fiscal 9% acima da média da UE. Em 2022, o mesmo esforço fiscal já está 32% acima da média europeia. Estamos no quarto pior lugar do ranking europeu.

• Isto significa que, apesar de ganharmos pouco, face aos baixos salários, ainda pagamos 32% mais de impostos do que a média dos europeus.

3. Mesmo assim, o Governo ainda não acha oportuno baixar o IRS. Nunca é oportuno! E a redução que prevê, de 2024 a 2027, é uma redução pífia: de apenas 2 mil milhões de euros em 4 anos, quando, em 2022, só num ano, cobrou receitas extraordinárias muito acima deste valor (5,5 mil milhões de Euros).

OS SALÁRIOS BAIXOS

1. Com esta carga fiscal elevada e com este esforço fiscal exagerado, não surpreendem duas realidades: primeiro, os salários baixos que se praticam em Portugal, porque os impostos "cortam" nos salários; segundo, que os jovens de talento saiam de Portugal, à procura de melhores oportunidades.

2. Vejamos estas três realidades:

• No sector financeiro, o salário anual em vários países da Europa chega a ser praticamente o dobro de Portugal. É o caso do Reino Unido, Países Baixos, Alemanha e Dinamarca.

• Ao nível de médicos especialistas, nos mesmos países europeus, os salários chegam a ser três e quatro vezes superiores aos de Portugal.

• No plano dos mestrados financeiros, as nossas Instituições de ensino superior têm dos cursos de maior qualidade, segundo o FT. É o caso da Nova SBE, da Universidade Católica, do ISEG, do ISCTE e da FEP, no Porto. Só que, no final, mais de metade dos diplomados saem de Portugal, à procura de melhores salários.

3. Estes é que são os grandes temas que deviam preocupar os nossos políticos e governantes. Infelizmente, como se tem visto, passam para um plano secundário. É assim que se cava a descrença das pessoas nas instituições.
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