Opinião
Conflito de interesses numa OPA hostil
O lançamento de uma OPA hostil coloca, como a história recente demonstra, a administração da visada numa situação, no mínimo, delicada. A OPA hostil, porque não previamente acordada e, por isso inesperada, coloca, antes de mais, em causa a estratégia da a
A OPA hostil, porque não previamente acordada e, por isso inesperada, coloca, antes de mais, em causa a estratégia da administração da visada? ou não: se a dita estratégia não fosse adequada, então a visada não suscitaria a atenção da oferente, pode dizer-se. Mas não é realmente assim: o que ocorre antes é que a avaliação da visada é efectuada tendo em atenção o seu valor actual, ou seja, o valor do seu património e a actualização dos rendimentos esperados pelo oferente. E para a segunda parcela muito conta o desempenho da administração pós-OPA.
Há quem defina como OPA hostil aquela que não conta com o acordo da administração da visada, o que obviamente coloca em risco a sua continuidade.
Mas, se esse é, normalmente, um facto, não será antes mais adequada para a definição de OPA hostil a verificação da ausência de acordo prévio dos accionistas da visada?
É isso que está em causa: são os accionistas que venderão (ou não) as suas acções na visada, não a administração (embora os membros da administração detenham geralmente acções da visada).
É para os accionistas da visada que a OPA é (ou deve ser) inesperada.
A OPA hostil não tem como objectivo destituir a administração da visada, mas tal poderá ser uma consequência do sucesso da mesma. Serão os accionistas a decidir, não só a composição dos órgãos sociais e, designadamente, da administração, como também as principais orientações estratégicas da visada.
E aqui coloca-se uma questão decisiva: existem conflitos de interesses entre a sociedade, os accionistas e mesmo os administradores? A resposta é óbvia: claro que sim. Mas são resolvidos pela lei, quer pelo Código das Sociedades Comerciais, quer pelo Código dos Valores Mobiliários.
Cabe à administração preservar o interesse social, antes de qualquer outro, incluindo o dos accionistas. E, por isso, a "hostilidade" só pode ser concluída caso a administração da visada tenha a firme convicção de que a alteração da estrutura accionista – com a inerente mudança da orientação estratégica da sociedade – é prejudicial para o interesse social. Ou seja, os administradores, apesar de serem mandatados pelos accionistas, devem preservar o interesse social, e não o interesse individual (ou mesmo colectivo) dos accionistas. Obviamente, a lei pressupõe que o interesse dos accionistas melhor será atingido, no contexto da sociedade, pelo privilégio do interesse social? e nem pode ser de outra forma!
A OPA, por sua vez, dirige-se aos accionistas da visada, não a esta. São aqueles que decidem vender ou não as suas acções na visada. E se decidem fazê-lo, livremente (pelo menos quanto à sua maioria, uma vez que a lei prevê a possibilidade posterior de aquisição potestativa de uma parcela remanescente), onde está a hostilidade? Não seria muito mais simples consagrar a designação de "OPA inesperada", em detrimento da designação "OPA hostil"?
Estes considerandos são úteis para enquadrar a questão das chamadas medidas defensivas contra uma OPA hostil. Se é um facto que a lei protege o oferente, limitando os poderes de administração da visada, de molde a que a OPA não se frustre por mera actuação da administração da sociedade, esta pode tentar desincentivar a oferente de prosseguir com a OPA, ou forçá-lo a alterar os respectivos termos.
Ora, o limite à actuação da administração deve ser, sempre, o interesse social. Ou seja, a conduta da administração não pode ser norteada pela a melhoria das condições da OPA de que, afinal, beneficiam os accionistas – se venderem – mas antes, e sempre, pelo interesse social. E é por isso que tal limite se reconduz à obrigação de gestão corrente da sociedade, na pendência da OPA.
Mas já os accionistas – em assembleia geral – podem deliberar diferentemente, com o propósito de comprometer o sucesso de uma OPA. Afinal, são eles que decidem vender ou não as acções.
Assim, podem deliberar emitir acções preferenciais sem voto, adquirir acções próprias, limitar os direitos de voto, estabelecer maiorias qualificadas para eleição e destituição da administração, ou de outras matérias sociais, bem como motivar terceiros investidores para uma OPA concorrente ou até lançarem uma contra-OPA, de forma a adquirirem a oferente.
E se o Estado tiver interesses na sociedade visada (porque detém parte do seu capital ou esta desenvolve uma actividade de interesse público, ou ambas as razões)? Aí estará em causa o interesse público, e uma OPA hostil não prosseguirá se se revelar contrária ao interesse público, cabendo ao Estado proteger esse interesse, que ultrapassa o interesse social e, obviamente, o interesse dos (restantes) accionistas. E ao Estado não restará senão utilizar os meios que a lei – através de mecanismos de supervisão e controle ("safe harbour") – ou o contrato de sociedade – através de privilégios de accionista ("golden shares") – lhe conferem. Mas o interesse do Estado só legitima tal recurso, se for público e não privado (que os também pode ter, enquanto mero investidor).
Aliás, é finalmente o interesse público que determina o sucesso (ou insucesso) de uma OPA, quer em concreto, em face da natureza económica da visada, quer em abstracto, em face do livre funcionamento do mercado que ao Estado – neste caso, ao Governo – cabe defender, tal como a Constituição da República Portuguesa determina.
Ou seja, neste último caso, não é só a administração da visada que fica numa posição? delicada.