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10 de Outubro de 2005 às 13:59

Caso Volskswagen / Autoeuropa: um sinal significativo

O recente episódio - por sinal muito mediatizado nos media portugueses e alemães - que esteve na base da decisão de fabricar em Wolfsburg (e não, em alternativa, em Palmela), tomada pelo grupo Volkswagen, merece que reflictamos sobre a amplitude que pode

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Há algum tempo que se conhecia a indecisão por parte do construtor em produzir o SUV - nome de projecto Marrakesh - na fábrica de Palmela. O Comité de Estratégia de Marca e Produto da Volkswagen havia já recomendado a fábrica portuguesa por «razões de custo» mas posteriores negociações entre a direcção do grupo e os sindicatos alemães inverteram aquela que parecia a escolha mais provável. A opção pela fábrica de Wolfsburg, a sede histórica da Volkswagen, deve-se, alegadamente à concordância dos sindicatos alemães em baixar os preços de produção por unidade.

Em meu entendimento, a solução encontrada não surpreende e constitui um significativo sinal de mudança nas estratégias empresariais, e em consequência, de uma eventual reconfiguração da vida económica internacional.

Na Alemanha, desde 2003 que o poderosíssimo Sindicato Alemão dos Metalúrgicos (IG Metall) negoceia acordos colectivos com o intuito principal de «salvar» milhares de postos de trabalho.

Num contexto de globalização da economia e de liberalização das regras de concorrência internacional, o crescimento da economia alemã, muito lento desde 2003, estagnou no primeiro semestre do ano tendo as importações superado as exportações. Grande parte da explicação para esta situação está na actual incapacidade de reacção do sector empresarial ao movimento das deslocalizações que se faz, de forma incessante, para a Ásia e para outros Estados-membros da União Europeia.

Este movimento tem como consequência o encerramento local de muitas unidades produtivas em função de factores de atracção de outros países. Por exemplo, a carga fiscal mais baixa para as empresas (nos países europeus de leste é, em média, cerca de metade da existente na Alemanha), a mão-de-obra muito mais barata ou os mercados em expansão são factores que fazem desviar a atenção dos investidores - nacionais ou estrangeiros - do mercado de trabalho alemão. Além disso, também preocupante para a economia e o mercado de trabalho alemães são os dados relativos ao investimento estrangeiro. De acordo com o Eurostat, e analisando os dados intra-comunitários, em 2004 a Alemanha foi o país que mais perdeu investimento estrangeiro: junto dos seus parceiros -27,9 mil milhões de euros e junto de países fora da UE -3,2 mil milhões de euros.

Mas é preciso que se entenda que o problema subjacente ao tema deslocalizações não pode se confundir com o investimento no estrangeiro. A distinção entre as duas figuras pode ser subtil, mas deve ser clara. A decisão de investir no estrangeiro, através da prossecução de actividades que poderão ser localizadas em países de acolhimento por se enquadrarem numa estratégia de desenvolvimento dos mercados de crescimento ou para se aproximar a produção de recursos essenciais que não impliquem, em contrapartida, o encerramento de unidades produtivas nos países de origem das empresas e, em consequência, desemprego, não constitui propriamente deslocalização. Não podemos esquecer que o crescimento dos mercados produtivos passa, entre outras, pela conquista de novos mercados. O que se torna essencial acautelar é a mera procura da diminuição dos custos de produção pelo trabalho, através de opções como a deslocalização.

Ora, num país em que o número de desempregados aumenta diariamente - e já ultrapassa os 5 milhões de pessoas -, para muitos analistas, o objectivo principal é preservar a produção e o mercado de trabalho nacional. Não se trata de proteger as empresas na sua singularidade ou individualidade mas sim de garantir, de forma planeada e a médio prazo, a sobrevivência de grande parte do sector empresarial nacional e sobretudo do mercado de trabalho. No caso em particular do Marrakesh, com esta decisão foram cerca de mil postos de trabalho que foram «poupados» na fábrica-mãe da Volkswagen, em Wolfsburgo.

Sabendo-se da intenção de a Volkswagen de diminuir substancialmente os custos de produção até 2008, calcula-se que esta aposta em Wolfsburgo - onde, por exemplo, os operários ganham cerca de 20% mais do que em sociedades subcontratadas pelo grupo Volkswagen - tenha resultado de uma escolha difícil, mas muito ponderada.

Em sequência foi o ministro da economia, Wolfgang Clement, um dos primeiros dirigentes políticos a congratular-se por o modelo ser produzido em território alemão.

A decisão sobre o Marrakesh pode ser considerada um marco importante para o destino das várias fábricas da Volkswagen na Alemanha que empregam 100 mil trabalhadores e, em meu entendimento, este episódio é um sinal de que os parceiros sociais alemães compreendem que na actual conjuntura é fundamental para o país, agir e planear o futuro empresarial sem descurar a salvaguarda do mercado de trabalho nacional.

Mas não é só na Alemanha que se procura agora preservar o mercado de trabalho nacional.

Também em França isso acontece. Se em Julho último a taxa de desemprego em França caiu para os 9,9%, impulsionada pela recente criação de emprego promovida por Villepin junto da função pública - o que aumentou as expectativas de que a economia francesa está a recuperar do abrandamento verificado no segundo trimestre -, o certo é que a economia francesa não vai bem.

Segundo o INSEE, o PIB aumentou apenas 0,1% no segundo trimestre do ano (depois de um aumento de 0,4% no primeiro trimestre), nomeadamente devido à baixa consumo das famílias e ao recuo do investimento das empresas (os dois pilares tradicionais de crescimento económico). O crescimento foi igualmente penalizado pela deterioração (pelo décimo sétimo mês consecutivo) da balança comercial: o défice comercial francês, em Julho último, duplicou em relação a Junho. Além disso, o significativo abrandamento da actividade industrial em França parece comprometer a esperança de rápida retoma. A pressão social é forte e o desemprego ultrapassa os 10%. As reivindicações sobre o poder de compra sucedem-se. Completados os 100 dias de governo, Villepin viu-se forçado, em Setembro último, a anunciar diversas medidas (nomeadamente fiscais) que procuram dinamizar o crescimento económico e amenizar o mal-estar social.

Com o slogan «recriar as condições da confiança», o executivo francês propõe articular uma «nova estratégia industrial» com um ambicioso plano de emprego - intitulado «La bataille pour l’emploi» - que permita lutar contra o desemprego e as deslocalizações, fonte de constante inquietação para os franceses. E numa postura ofensiva, procurando dispor de uma base industrial forte para assegurar a competitividade francesa, gizou um plano de investimentos onde seleccionou um conjunto de projectos com «vocação mundial» e com «vocação nacional ou regional».

Parece-me pois, que no actual momento de manifesta crise social e económica, os alemães e os franceses estão cientes de que são enormes os desafios internacionais a que as (ainda) primeira e terceira economia europeias estão sujeitas, pelo que não basta estarem apenas atentos e vigilantes ao movimento da concorrência internacional. Assim, a preocupação é, agora, a de assegurar a atractividade do mercado nacional, procurando salvaguardar no seu território, simultaneamente, produção e mercado de trabalho.

E é preciso que, também em Portugal, se comece a tirar ilações destes acontecimentos.

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