Opinião
Banif
O fim do ano chega sem nenhuma campanha publicitária interessante ou de encher o olho. A crise económica fomentou a crise das imaginações, em vez de as espicaçar.
O fim do ano chega sem nenhuma campanha publicitária interessante ou de encher o olho. A crise económica fomentou a crise das imaginações, em vez de as espicaçar.
Os jornais estão uma tristeza, os intervalos comerciais na televisão também: há campanhas de Natal feitas com orçamentos raquíticos, como os anúncios de telemóveis comercializados pela Vodafone à base de imagens virtuais tipo caleidoscópio com uma música tipo idiota. Mesmo alguns bancos, mais dados a gastar o dinheiro dos clientes em campanhas vistosas, optaram por anúncios baratuchos. O Banco Popular, fazendo jus ao nome, construiu uma campanha com vox populi.
O Banif também apresentou um anúncio de imprensa baratucho, mas com impacto: pegou numa foto aérea de Manhattan, acrescentou-lhe uma sombra humana gigantesca sobre vários quarteirões da cidade e deu-me esta ordem: "Acredite: É raro chegar aqui." Antes do slogan, a palavra Platinum anuncia o produto, um cartão de crédito "dotado de um plafond personalizado", o que quer que isso seja. Este produto bancário está "apenas ao alcance de quem chega ao topo". O anúncio comove-me profundamente porque me diz a rematar "Provavelmente o seu caso" - a mim, que já não esperava lá chegar.
A mensagem escrita não tem relação directa com a imagem. O texto fala dum cartão de crédito para quem tem alguma massa no banco. Já a imagem remete para os mitos de Nova Iorque na sua simbologia de capital do capitalismo triunfante e, através da sombra gigante, do ficcional King Kong, que conquistou o Empire State Building por uns momentos. O apelo visual e simbólico de Nova Iorque é tão grande que a cidade aparece em simultâneo noutra campanha. O Renault Laguna Coupé fez-se fotografar à beira das docas de Manhattan, com vista para a ponte de Brooklyn. Fica sempre bem.
No anúncio do Banif, apesar de não se encontrar uma relação directa entre o texto e a imagem, existe, todavia, uma relação intertextual. Não é óbvia, mas está lá: a referência a "quem chega ao topo" foi recolhida da canção New York, New York, do filme de Scorsese, e imortalizada depois por Frank Sinatra: o narrador canta que chega a Nova Iorque para tentar ser um "number one, top of the list / King of the hill…" É exactamente isso que se vê na imagem: a sombra gigante só pode ser a de um número um que escalou a colina e conquistou a cidade. Que isso se relacione com um cartão de crédito, eis os mistérios da mente humana - de quem fez o anúncio e de quem o aceita naturalmente, o observador.
O cartão de crédito é sempre um produto interessante: promete-me coisas maravilhosas… mas com base no meu dinheirinho, não no do banco ou da empresa prestamista, neste caso a VISA. Sou eu que o uso na perspectiva de pagar no mês seguinte, mas garantindo que o dinheiro lá está. Este cartão promete-me como "compensações", tal como tantos antes dele, "o reconhecimento, o prestígio, as portas que se abrem".
Quer dizer: não é o meu dinheiro que me dá reconhecimento, prestígio, portas abertas, mas antes o cartão que me promete aquilo que eu terei por ter dinheiro para pagar a quem mo empresta. Trata-se de um maravilhosa inversão de valores.
Mas a inversão é algo que está associado a esta campanha. De facto, a mesma fotografia aérea de Manhattan aparece em dois anúncios, ora na sua posição correcta, ora virada ao contrário. Num deles, o Oeste passa para Este e vice-versa. Nova Iorque é desvirtuada. Deve ter sido o anunciante a poupar: assim, em vez de duas, usou apenas uma fotografia. Os tempos não estão para despesas, e é preciso imaginação se se quer chegar ao topo.
Os jornais estão uma tristeza, os intervalos comerciais na televisão também: há campanhas de Natal feitas com orçamentos raquíticos, como os anúncios de telemóveis comercializados pela Vodafone à base de imagens virtuais tipo caleidoscópio com uma música tipo idiota. Mesmo alguns bancos, mais dados a gastar o dinheiro dos clientes em campanhas vistosas, optaram por anúncios baratuchos. O Banco Popular, fazendo jus ao nome, construiu uma campanha com vox populi.
A mensagem escrita não tem relação directa com a imagem. O texto fala dum cartão de crédito para quem tem alguma massa no banco. Já a imagem remete para os mitos de Nova Iorque na sua simbologia de capital do capitalismo triunfante e, através da sombra gigante, do ficcional King Kong, que conquistou o Empire State Building por uns momentos. O apelo visual e simbólico de Nova Iorque é tão grande que a cidade aparece em simultâneo noutra campanha. O Renault Laguna Coupé fez-se fotografar à beira das docas de Manhattan, com vista para a ponte de Brooklyn. Fica sempre bem.
No anúncio do Banif, apesar de não se encontrar uma relação directa entre o texto e a imagem, existe, todavia, uma relação intertextual. Não é óbvia, mas está lá: a referência a "quem chega ao topo" foi recolhida da canção New York, New York, do filme de Scorsese, e imortalizada depois por Frank Sinatra: o narrador canta que chega a Nova Iorque para tentar ser um "number one, top of the list / King of the hill…" É exactamente isso que se vê na imagem: a sombra gigante só pode ser a de um número um que escalou a colina e conquistou a cidade. Que isso se relacione com um cartão de crédito, eis os mistérios da mente humana - de quem fez o anúncio e de quem o aceita naturalmente, o observador.
O cartão de crédito é sempre um produto interessante: promete-me coisas maravilhosas… mas com base no meu dinheirinho, não no do banco ou da empresa prestamista, neste caso a VISA. Sou eu que o uso na perspectiva de pagar no mês seguinte, mas garantindo que o dinheiro lá está. Este cartão promete-me como "compensações", tal como tantos antes dele, "o reconhecimento, o prestígio, as portas que se abrem".
Quer dizer: não é o meu dinheiro que me dá reconhecimento, prestígio, portas abertas, mas antes o cartão que me promete aquilo que eu terei por ter dinheiro para pagar a quem mo empresta. Trata-se de um maravilhosa inversão de valores.
Mas a inversão é algo que está associado a esta campanha. De facto, a mesma fotografia aérea de Manhattan aparece em dois anúncios, ora na sua posição correcta, ora virada ao contrário. Num deles, o Oeste passa para Este e vice-versa. Nova Iorque é desvirtuada. Deve ter sido o anunciante a poupar: assim, em vez de duas, usou apenas uma fotografia. Os tempos não estão para despesas, e é preciso imaginação se se quer chegar ao topo.
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