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20 de Março de 2009 às 11:45

As Viagens de Gulliver

Ficámos todos a saber esta semana que o nosso ministro da Economia não pagou as contas de viagens que fez de Falcon. Com efeito, em 2005, o nosso ministro foi visitar a Volkswagen, à Alemanha, mas não foi de carro...

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Ficámos todos a saber esta semana que o nosso ministro da Economia não pagou as contas de viagens que fez de Falcon. Com efeito, em 2005, o nosso ministro foi visitar a Volkswagen, à Alemanha, mas não foi de carro, foi de Falcon. A Força Aérea forneceu o Falcon, mas o ministro fez o que todo o português gosta de fazer, só que ele pode e nós não: não pagou, e mandou outros pagar, neste caso, a Agência para a Promoção do Investimento, a API. Só que a API também não quis pagar. Ainda hoje a Força Aérea anda à procura de quem pague, pois o único resultado até hoje foi gramatical: o verbo pagar conjugado em diversos tempos e em diversas pessoas, na negativa quanto ao passado e na afirmativa quanto ao futuro, mas futuro não próximo.

Poder-se-ia pensar que se trata de uma distracção ou esquecimento, ou mera descoordenação, como quando dois amigos acham cada um que é a vez do outro pagar e, à conta disto, deixam de ser amigos. Pois bem, não é esse o caso. O nosso ministro também em 2006 deixou uma conta por pagar, desta feita duma ida à IKEA, na Polónia, não para comprar uns móveis para o ministério, mas para ver uma fábrica. Só que, mais uma vez, dinheiro, nem vê-lo.

Como se pode explicar então este comportamento? Então um ministro da República, um daqueles que é suposto dar o exemplo a todos nós, não paga as suas contas? Uma explicação, meus queridos leitores, é do foro jurídico: se o Estado não paga a muitos dos seus fornecedores, por que havia de pagar à Força Aérea? Por a Força Aérea ser Estado? Mas então se alguma das empresas a quem o Estado não paga, por absurdo que pareça, levasse o Estado a Tribunal, em que estado o Estado ficaria? Mal, ficaria provado que se trata a si próprio de forma diferente dos outros, o que é inadmissível, sobretudo da parte do Estado. Está o ministro, portanto, a defender os interesses do Estado não pagando.

Outra explicação pode ser dada no âmbito da Psicologia: o nosso ministro sente que deve ser solidário e que deve promover a igualdade. Com efeito, ao não pagar, está a solidarizar-se com aqueles a quem o Estado deve, e está, assim, a fazer ao Estado aquilo que eles, outros, não têm a coragem ou força para fazer. Sente-se melhor ele e faz sentirem-se melhor os outros; torna-se até uma figura simpática, uma espécie de Robin dos Bosques à nossa escala.

Uma terceira explicação é económica. Ao viajar de Falcon, o nosso ministro está a aumentar os gastos públicos, que, como é sabido, vão levar ao aumento do produto quando há capacidade não utilizada. É sabido que nesses anos o produto potencial estava claramente acima do produto real. Por outro lado, um avião da Força Aérea que já foi adquirido é, quando tratamos de viagens de ministros, um custo afundado (este termo, de uso corrente em Economia, só não se poder usar na Marinha), e tem um multiplicador de importações quase nulo - cria mais procura e mais produto, mas pouco afectando o saldo das contas com o exterior, porque trabalho, manutenção, catering, etc. são portugueses, só o petróleo em bruto é importado.

Infelizmente, a segunda parte da história é outra: quando for pago o trabalho a pilotos, assistentes e pessoal de manutenção, estes vão gastar o dinheiro. Quando o aluguer do avião for pago à Força Aérea, esta vai logo comprar helicópteros e mísseis, importados. Um desastre para as trocas com o exterior, pois, aqui, o conteúdo importado é elevadíssimo, até podendo ser maior que 1, porque quem vai à Alemanha ou à Polónia pode fazer compras lá, no IKEA, na Volkswagen ou noutro estaminé. Então, o melhor é não pagar, para bem da nossa Balança de Pagamentos.

Mas, meus queridos leitores, se não acham que nenhuma das teorias que avancei explicam o comportamento do ministro, então aqui vai uma última, tão válida como qualquer das outras. Tratou-se, na verdade, de uma questão de coerência. O ministro não pagou, porque é o ministro da Economia - não pagando, está, de facto, a fazer economia no seu próprio ministério. Só que com "e" pequeno, não com "E" grande.



Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico como é que a Força Aérea pode receber o pagamento destas viagens do ministro, Frederico respondeu: "Está provado que só de uma maneira: vão ao Totta."

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